Título: Safra é recorde; cai lucro com frete
Autor: Renato Stancato
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/02/2005, Economia, p. B29

Responsáveis pelo escoamento de 60% da produção brasileira de grãos, as empresas de transporte rodoviário não vêem grande motivos para comemorar a colheita de mais uma safra recorde. Apesar do aumento do volume de carga a ser transportada, as empresas não esperam aumento significativo no faturamento. Os últimos números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados na quarta-feira, apontam que a produção de grãos deve atingir 134,5 milhões de toneladas este ano. O número é muito superior ao de 2004, quando o Brasil colheu 119 milhões de toneladas. Contudo, os fretes rodoviários não devem ser muito maiores, na avaliação do economista José Vicente Caixeta, coordenador do Sistema de Informações de Fretes da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP). "As cotações devem aumentar, mas não tanto quanto os transportadores gostariam", avalia.

Segundo Caixeta, o frete anda consorciado com o preço do produto a ser transportado. "No caso do Mato Grosso, por exemplo, o frete tende a girar entre 15% e 20% do preço da soja praticado no momento", diz. Como o cenário do mercado da soja é muito menos favorável este ano do que o do ano passado, há limite para a alta de preços. "A soja acaba sendo a grande referência para o mercado de fretes, justamente pelo papel de destaque que ocupa na agricultura brasileira."

Mesmo com as limitações da conjuntura atual, o economista observa que as transportadoras devem exercer pressão para um reajuste de preços. "Em primeiro lugar, porque o diesel subiu de preço no ano passado", destaca. Outro motivo apontado é a alta do preço das peças de reposição dos caminhões. "Isso é muito importante, porque o estado das rodovias é precário e o desgaste das carretas é muito elevado."

A queda-de-braço entre os usuários e as transportadoras está justamente começando. "Todo ano, ocorre uma alta sazonal nos fretes entre janeiro e maio, por causa da colheita da soja", diz Caixeta. "Isso ocorre porque há um déficit na capacidade de armazenagem da safra e os agricultores são forçados a vender grande parte da produção em um curto espaço de tempo." A demanda por transporte faz o frete subir justamente quando o excesso de oferta faz as cotações da soja caírem. Em anos de menor rentabilidade, esse conflito tende a se acentuar.

Uma avaliação dos preços praticados no mercado mostra que os transportadores estão, por enquanto, conseguindo reajustar os preços dos fretes. Levantamento feito pelo AE-Taxas, serviço de cotações da Agência Estado, mostra que os preços em reais estão mais altos do que os praticados no ano passado para escoamento da soja aos portos, nas rotas que têm como origem as regiões que já iniciaram a colheita. O preço de Cascavel a Paranaguá, por exemplo, está 13,53% mais alto; de Dourados a Paranaguá, 20,68% mais elevado. Já de Rondonópolis a Santos, o preço subiu 12,50%.

Entretanto, a intensidade dessa alta pontual é vista com descrédito pelas próprias transportadoras. "A demanda por soja está fraca no mercado internacional, os preços estão baixos e a movimentação de cargas não está tão alta quanto deveria", afirma Moacir Francisco dal Corsolete, gerente da transportadora Agotran, em Rondonópolis. Por causa disso, Corsolete acredita que a produção terá um escoamento moroso ao longo do ano.

As próprias negociações com os usuários (tradings, cooperativas, fábricas e produtores) andam mais duras este ano. Em muitos casos, as transportadoras já enfrentam atrasos no pagamento. "Ainda temos cerca de R$ 1 milhão para receber de serviços do ano passado", observa Márcio Guizzardi, administrador da Transportadora Botuverá, que opera no Sul e no Centro-Oeste. "Como são clientes grandes e idôneos, não duvidamos que vamos receber o dinheiro, mas isso só mostra como está o aperto para o setor." Guizzardi acredita que 2005 fechará com preços de frete 10% maiores que os do ano passado. Segundo ele, isso implicará uma redução das margens das transportadoras. "Afinal, nossos custos subiram mais do que isso", diz.

O principal aumento de custo destacado pelas empresas é mesmo o do combustível. Segundo Francisco Pujol Leivas, da Transportadora Gramado, o preço médio do litro do óleo diesel nos postos de gasolina do Mato Grosso foi de R$ 1,50 em 2004. "Hoje, o preço varia entre R$ 1,85 a até R$ 2,00, no Norte do Mato Grosso." Contudo, o custo de reposição de peças também é sentido. "O maior custo de manutenção das carretas é a reposição de pneus", diz Leivas. Segundo ele, o preço do pneu saltou de R$ 1.050,00 por unidade para R$ 1.800,00. Cada pneu dura cerca de 30 mil quilômetros, mas o rendimento pode cair muito quando as estradas estão em mau estado de conservação, como as do Mato Grosso.

O próprio preço do caminhão foi reajustado, segundo Dal Corsolete, da Agotran. E, além disso, a frota aumentou. "Os preços subiram 30% ao longo do ano passado, e mesmo assim as concessionárias pediam um prazo de 90 dias para entregar os veículos", afirma.

Para Dal Corsolete, entretanto, o aumento da frota não aumentou a competição por cargas de forma significativa. "É preciso lembrar que a área de produção agrícola também se expandiu nos últimos anos."