Título: China prejudica Brasil, diz BID
Autor: Patrícia Campos Mello
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/03/2005, Economia, p. B6

Um relatório do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) afirma que a China é uma grande ameaça para a indústria do Brasil. Segundo o relatório "Medo da China: a indústria da América Latina tem futuro?", o Brasil perdeu US$ 1,6 bilhão em exportações para concorrentes chineses em 12 anos. "Com países como a China no mercado mundial, não temos mais margem de manobra para absurdos macroeconômicos", disse ao Estado o autor do estudo, Mauricio Mesquita Moreira, economista do Departamento de Integração Regional do BID, em Washington. "Se a taxa de juros continuar alta, nós só vamos exportar commodities, vamos vender minério de ferro até acabar."A China tem juros reais na casa dos 2%, diante de 12% no Brasil. O relatório será divulgado amanhã, durante o seminário "A emergência da China", organizado pela Bolsa de Mercadoria e Futuros (BM&F) e pelo Conselho Empresarial Brasil-China. Segundo o economista, o impacto ainda não é grande, mas os números apontam para uma tendência preocupante. Entre as nações da América Latina, o Brasil e os países andinos foram os mais afetados pela concorrência chinesa no mercado externo. As maiores perdas de exportações ocorreram nos setores de têxteis, aço, rádios, máquinas de costura e aparelhos de ar-condicionado. A médio prazo, as grandes vítimas da concorrência chinesa serão a indústria siderúrgica e automobilística brasileiras.

As indústrias mais afetadas são as intensivas em mão-de-obra, onde a China tem vantagem - o salário anual médio dos trabalhadores industriais chineses é pouco mais de US$ 1 mil, contra US$ 4 mil dos brasileiros. Mas a concorrência chinesa está roubando mercado do Brasil também em outros setores, como o agroindustrial. Enquanto o Brasil reduziu sua participação mundial em suco de laranja, a China aumentou as exportações de sucos de frutas. "O problema não se restringe a têxteis e calçados, a China compete com muitos produtos da pauta brasileira de exportação", diz Moreira. Além da mão-de-obra barata, economias de escala e incentivos do governo tornam a China muito competitiva.

Para Moreira, foi um "equívoco" conceder à China o reconhecimento do status de economia de mercado. "O Brasil foi leniente, não há como descrever a China como uma economia de mercado."

Enquanto a América Latina privatizou e liberalizou sua economia nos anos 90, a China perseguiu um modelo de desenvolvimento fortemente calcado na intervenção do governo. As empresas chinesas têm acesso ilimitado a crédito barato, fornecido pelos bancos estatais. O governo financia um programa de inovação, que reduz custos de pesquisa das empresas. A regulamentação da propriedade intelectual é quase inexistente, o que reduz os custos de absorção de tecnologia estrangeira. A maioria das empresas tem participação do governo e muitos setores chave são beneficiados por tarifas protecionistas. "Todas essas medidas dão uma vantagem desleal às empresas chinesas", disse o economista.

Segundo Moreira, para melhor enfrentar a concorrência chinesa, o País precisa repensar estratégias de desenvolvimento tecnológico, acesso a crédito e atração de investimentos. E precisa adotar uma política comercial mais rígida com os chineses. "No radar do governo brasileiro só existem ameaças vindo dos EUA e da Europa."

Pelo relatório, o comércio com a China só é positivo para a América Latina no setor de bens primários. O Brasil tem dificuldades em exportar produtos de maior valor agregado, como calçados (só vende couro) e óleo de soja (só exporta o grão). Em contrapartida, o comércio da China com outros países asiáticos é predominantemente intra-indústrias.