Título: A 'farra do boi' começou?
Autor: Suely Caldas
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/03/2005, Economia, p. B3

Os números são do Ministério do Planejamento. Em apenas dois anos o governo Lula contratou 45.580 funcionários civis. A folha anual de pessoal em atividade chegará a R$ 28,6 bilhões no final deste ano (valor previsto no orçamento) e crescerá nada menos que 44% na comparação com o final do governo FHC, bem acima da inflação, que somará 24% nos três anos de Lula, caso a meta de 5,1% de 2005 seja cumprida. Com os militares Lula não foi tão generoso: permitiu a incorporação de 63.213 novos homens à tropa, mas puniu nos salários, já que a folha de pagamento terá evoluído só 7,6% de 2003 até o final deste ano, totalizando R$ 8,023 bilhões. Em oito anos de governo, FHC reduziu em 180 mil o número de funcionários, não deu aumento salarial aos civis e a folha de pessoal teve crescimento vegetativo de 32% para estes e 73% para os militares.

Na reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, quinta-feira, o ministro da Casa Civil, José Dirceu, reconheceu que muito da expansão de despesas no governo Lula se relaciona a contratações. "É fato, sim, que aumentamos os gastos com pessoal, mas porque era uma demanda de modernização do País", justificou Dirceu, argumentando que o Brasil "precisa de uma burocracia civil competente". Esqueceu o ministro de contar que mais de 10 mil desses funcionários não tiveram sua competência avaliada em concurso público e o critério que os colocou no governo foi político-partidário, naquele jogo de acomodação de apadrinhados de partidos aliados, com a maioria, naturalmente, egressa dos quadros do PT e prioridade para os que perderam eleições e cargos.

O governo Lula tem ilhas de eficiência e outras dominadas pela pasmaceira. Se há uma equipe na Fazenda capacitada a conceber microrreformas dirigidas a aumentar a eficiência da economia, há outros ministérios que caem no esquecimento popular, tal é a atuação apagada e falta de projetos. Neste caso estão os Ministérios das Cidades, da Pesca, dos Esportes e dos Transportes. Há outros, ainda, que parecem jogar contra, e não a favor do governo, como Saúde, Previdência e Desenvolvimento Agrário.

A verdade é que, passados mais de dois anos, o governo não veio a público uma única vez explicar as razões da contratação de 45.580 funcionários, nem por que os gastos em investimentos foram tão pífios (0,41% do PIB em 2003 e 0,62% do PIB em 2004), apesar das estradas esburacadas, das máquinas portuárias obsoletas, do enorme déficit em tratamento de água e saneamento básico, da redução dos assentamentos na reforma agrária.

Se desenvolvimento, emprego e distribuição de renda são metas do governo, Lula deveria ser mais rigoroso com a qualidade e eficiência dos gastos com dinheiro dos impostos, questionar se inflar uma máquina pública ineficiente é mais prioritário do que aplicar o dinheiro em investimentos que geram progresso econômico e social.

Mas não é só com expansão de pessoal que o governo ajuda a alimentar críticas de que está perdendo o controle (que soube exercer bem em 2003 e início de 2004) e cedendo a pressões para gastar mais do que pode. Segundo dados do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi), citados pelo deputado Augusto Carvalho (PPS-DF), em 2004 o governo gastou com veículos (compra de automóveis de luxo, importados e acessórios) R$ 439,7 milhões, mais 44,6% do que em 2003. E foi pior com passagens aéreas e diárias de viagens, em que é possível fazer economia sem prejudicar a gestão: custaram aos cofres públicos R$ 1,2 bilhão em 2004, uma elevação de 28,3% em relação ao ano anterior. O deputado Carvalho calculou que as milhas voadas pelos integrantes do governo do PT daria para fazer 34.368 voltas ao mundo.

"Não haverá farra do boi", garantiu o presidente da República na quinta-feira, indicando que resistirá a pressões por gastos pré-eleitorais. Amém, respondem os brasileiros, mas desconfiados de um governo que, às vezes, parece confundir o País com um sindicato e as demandas por crescimento, emprego, renda e redução da pobreza com empreguismo no governo.

Lula entra no terceiro ano com o vento soprando a seu favor. Nenhuma crise externa à vista, economia mundial em crescimento, contas externas superavitárias e um início impecável em matéria de controle de gastos. Mas cresce a percepção de descontrole nas contas públicas, iniciada com a decisão de reduzir o superávit primário, um risco para o tamanho da dívida pública. E não faltam alertas, até do próprio governo: o Ipea, por exemplo, reduziu de 3,8% para 3,5% sua previsão para o PIB este ano.