Título: A quase-lógica do senso comum
Autor: DORA KRAMER
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/02/2005, Nacional, p. A6

Assim sem compromisso com a produção de uma tese acadêmica profunda e definitiva, a cientista política e pesquisadora do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro Luciana Fernandes Veiga envia por e-mail duas páginas de um texto esclarecedor e instigante sobre os improvisos do presidente Luiz Inácio da Silva. Luciana não critica nem justifica, apenas explica como se estrutura o raciocínio de Lula naqueles discursos - aqui o juízo de valor não é dela - cheios de obviedades, imagens pobres, metáforas gastas, megalômanos ou simplesmente tolos, plenos de argumentos desprovidos de nexo causal.

Para o senso comum, porém, frases como "a natureza é inofensiva e boa, mas quando é desrespeitada reage à altura" fazem sentido como explicação ao maremoto - transformado em "vendaval" num dos improvisos de ontem - que atingiu a Ásia no fim do ano.

Isso porque, de acordo com a acadêmica, o presidente usa argumentos que parecem lógicos segundo as noções genéricas do cotidiano, embora não o sejam se cotejados com a precisão da realidade.

No caso do maremoto, diz Luciana: "O raciocínio foi tomado como verossímil por parecer lógico. Afinal, faz parte do cotidiano histórico comum das pessoas que 'a natureza quando desrespeitada reage' e do discurso cotidiano moderno que 'as pessoas estão desrespeitando o meio ambiente'."

A esse processo de argumentação, "recorrente nas falas de Lula", a pesquisadora do Iuperj dá o nome de "quase-lógica".

A idéia de escrever a respeito surgiu quando dias atrás o ex-presidente Fernando Henrique cobrou do sucessor um pouco mais de atenção aos dados e precisão nos discursos.

"Pedir a Lula que seja mais preciso em seus improvisos é pedir que mude todo o seu procedimento de argumentação e persuasão, todo ele construído no campo da linguagem cotidiana." Luciana Veiga cita um filósofo inglês (Stephen Toulmin) estudioso da retórica do dia-a-dia, para quem a linguagem comum não obedece aos ditames da lógica formal. Esta se baseia em definições exatas de premissas que levam a conclusões esperadas.

A "quase-lógica" do cotidiano da grande maioria é sustentada em inferências e deduções similares a operações lógicas, mas sem valor formal, porque sua lógica não parte de premissas estabelecidas, "mas de raciocínios particulares elevados à condição de premissas".

Daí a boa aceitação de um discurso simplista como aquele em que o presidente criticou "os de cima" por acharem que "pobre tem de ser pobre a vida toda". O argumento acaba parecendo lógico e a afirmação de Lula verossímil porque, explica a professora, "faz parte do imaginário dos cidadãos a idéia de que a sociedade é dividida entre ricos e pobres e todo rico trabalha exclusivamente para manter o status quo".

Não estivesse esse pressuposto presente na mentalidade do chamado cidadão comum, a fala do presidente pareceria desprovida de sentido. A premissa decorrente de deduções simplificadas dá credibilidade ao discurso.

"Lula consegue estabelecer acordos tácitos com o público sobre as premissas e pressupostos do discurso porque comunga com as crenças e valores de seus interlocutores", aponta a professora.

Na avaliação dela, "quando improvisa, Lula não tem a pretensão de ser preciso, busca apenas chegar à consonância com o público, assim como se comporta o seu João na conversa corriqueira no balcão do bar ou a dona Maria no portão com a vizinha".

Luciana Veiga afirma que não é apenas esse tipo de simbolismo nem só os erros gramaticais o que cria aproximação e identificação com as pessoas. "Sem muitos recursos cognitivos e com um custo de informação alto, os homens comuns tocam a vida assim, se comunicam com os instrumentos que têm à mão: ditados populares, juízos de valor... Foi assim que o presidente Lula aprendeu na vida, é assim que elabora os seus discursos."

Ou seja - a conclusão não é da professora - não tem jeito.

Três em um

"Os jovens", improvisou mais uma vez o presidente, "precisam de uma só palavra: amor, carinho e compreensão".

Severino chic-chic

Candidato do pessoal da geral, também nominado baixo clero, à presidência da Câmara, o deputado Severino Cavalcanti joga sua rede e quem cai nela muito rápido vira peixe.

Outro dia, telefonou ao ex-presidente Fernando Henrique, cuja vocação para a meiguice retórica dispensa apresentações, e saiu espalhando que é o preferido de FH.

Ligou também para o prefeito de São Paulo, cujo histórico no quesito amabilidade abundante é notório, mas não foi atendido. José Serra, aliás, quer distância do assunto eleição da Câmara. O mesmo diz o governador de Minas, Aécio Neves, que prefere assistir ao recital "de camarote".

De cadeira

"Sempre se acha um promotor para fazer um trabalho sujo", disse aquele deputado de apelido Professor Luizinho, dando relevante informação sobre seus métodos de atuação como líder do governo na Câmara.