Título: Câmara topa tudo por dinheiro
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/03/2005, NACIONAL, p. A6

O presidente da Câmara conseguiu. Aumentou em 25% as verbas dos gabinetes dos deputados, já anunciou sofrer pressões para aumentar mais - de R$ 44 mil para R$ 66 mil, em isonomia aos senadores - e ainda demonstrou ter razão quando, duas semanas atrás, chamou os colegas de demagogos por renegarem o reajuste de 67% para fazer pose de bons-moços, enquanto na realidade estavam "loucos por aumento de salário". Severino Cavalcanti conhece seu gado, perdão, seus pares, e por isso foi em frente liderando decisão da Mesa que contrariava o espírito do arquivamento, há 15 dias, do reajuste direto dos salários.

A reunião em que a direção da Câmara resolveu aumentar a verba dos gabinetes foi, portanto, praticamente uma cerimônia de corpo presente. E, tudo indica, será seguida de uma solenidade de ressurreição, onde se trará de volta à vida o aparentemente natimorto aumento de 67%.

É só fazer as contas. Foram 25% agora, serão em breve 15% de aumento nos salários dos servidores (aliás, privilégio incompreensível em relação ao funcionalismo do Poder Executivo, que receberá reajuste de 0,1%). Sobre esses 40% devem ser acrescidos outros 25% a fim de que as verbas se igualem às do Senado. Ao fim teremos, então, 65% de elevação no custo do deputado; 2% a menos que os polêmicos e renegados 67%.

Com a vantagem - para Severino, claro - de que não só quase inexistem reações contrárias como até as há de apoio a mancheias. Na maioria insolentes, argumentando que tais aumentos "nada têm a ver" com reajustes de salários. Fingem as sarcásticas excelência ignorar que a questão em pauta é a elevação geral de despesas.

E, se fosse o debate exclusivamente sobre salários, ainda assim os mecanismos de desvio dessas verbas para os bolsos dos deputados existem e têm sido constantemente denunciados como prática comum.

Para falar português bem claro, todo mundo está entendendo perfeitamente bem que aquele acesso de pudor coletivo de duas semanas atrás foi devidamente revogado pela decisão de anteontem, tomada ao molde do subterfúgio anteriormente sugerido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Nelson Jobim: ao arrepio dos votos, por resolução administrativa da Mesa.

A Câmara deu vários passos para trás.

Não adianta os deputados se esconderem atrás de Severino Cavalcanti, deixando só para ele a responsabilidade da incúria. Sozinho o presidente da Câmara não pode coisa alguma. Se os gastos se elevam no Legislativo, isso ocorre com a conivência do colegiado.

Que Severino Cavalcanti é retrógrado, não há dúvida. Mas vai ficando esclarecido que, se bem disfarçadas, suas posições são também bem aceitas. Não demora a Câmara acabará reconhecendo-o como presidente ideal: a depender das conveniências da corporação, faz o papel de saco de pancadas junto à opinião pública ou serve como testa de ferro das forças da regressão.

Majoritárias, quando o assunto é privilégio.

Currículo

Convém esperar o anúncio oficial dos nomes dos novos ministros antes de julgar e acreditar que o presidente Luiz Inácio da Silva seria capaz de nomear ministro um deputado cujos únicos atributos conhecidos são o hábito de praticar o nepotismo e o fato de ser uma espécie de filho postiço do presidente da Câmara.

O deputado Ciro Nogueira integra a lista de cotados para assumir um posto na equipe que alegadamente assegurará a reeleição de Lula. Desse patamar já mira vôos mais longos e pretende-se pré-candidato ao governo do Piauí.

Mas, convém esperar, não menosprezar o senso de limite das pessoas (no caso, o presidente da República) antes de julgar e acreditar no inacreditável.

Nova história

Os partidos, notadamente o PMDB, aceitaram sem contestações o fato de as comemorações pela passagem dos 20 anos de redemocratização terem sido conduzidas justamente por personagens que deram sustentação política ao regime militar.

A exceção foi o PPS, cujo presidente, deputado Roberto Freire, divulgou nota manifestando estranheza. Na concepção do partido, as solenidades da Câmara e do Senado, procuraram "reescrever a história, dando exagerada importância a forças e personalidades que coonestavam com a ditadura".

Na visão de Freire, aquelas lideranças (José Sarney, Antonio Carlos Magalhães, Jorge Bornhausen, Marco Maciel e outros) tiveram relevância que deve ser reconhecida. Mas isso não justifica a irrelevância reservada ao papel das manifestações populares - como a votação em massa nos candidatos da oposição em 1974 e a campanhas das Diretas-Já - e a pouquíssima participação das forças que realmente compuseram a resistência ao regime.

"Lamentamos a pequena participação do governo e do PT nas comemorações da vitória de Tancredo, que tem em Ulysses Guimarães um referencial inexpugnável. Esse fato só se explica pela pouca compreensão dos petistas em relação ao processo de conquista democrática, posto que condenaram o Colégio Eleitoral como meio para derrotar a ditadura, validado posteriormente pela história", diz o PPS.