Título: Na interminável espera por justiça, vida de empresário vira pesadelo
Autor: Fausto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/02/2005, Nacional, p. A4

Empresário do setor educacional, 250 empregados, planos para expandir os negócios, espera por Justiça. Luiz Fernando Naso, sócio de tradicional instituto de ensino - há 63 anos na praça -, trava longa batalha judicial, desde que tomou empréstimo para construção de um parque gráfico em Boituva, interior de São Paulo. Naso é mais um refém da armadilha dos códigos e recursos que tornam a Justiça lenta e falha. Contra ela, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou terça-feira um "pacto de Estado" para dar agilidade à toga. Por meio de uma cédula de crédito industrial, com recursos do BNDES, o empresário captou o equivalente a US$ 850 mil. A transação foi fechada em novembro de 1991 e o dinheiro repassado por uma instituição financeira. Rezava o contrato que o empréstimo deveria ser quitado no prazo de cinco anos, com dois de carência, período em que o tomador só deveria desembolsar os juros. À primeira vista, um bom negócio, de boa-fé, condições privilegiadas - um negócio que virou tormento na vida de Naso e sua família. "Um sonho, esse trâmite é um sonho que vira pesadelo", desabafa o empresário, hoje prisioneiro de uma ação judicial sem fim que emperra suas atividades. "Eles fazem o cidadão sonhar, mas a realidade é outra." Com o dinheiro na mão, adquiriu terreno de 30 mil metros à beira da Rodovia Castelo Branco, km 116. Ergueu um galpão de 6 mil metros e comprou as máquinas. Desocupou as instalações de Diadema, na Grande São Paulo, onde não suportava mais tanta greve na metalurgia que se alastrava para outras categorias. O drama de Naso divide-se em dois atos. O primeiro: acreditou nos dados que lhe foram transmitidos pela supervisora do banco que fez o repasse. A gerência o informou que, vencida a carência, pagaria parcelas mensais em torno de US$ 17 mil cada. Quando foi honrar a primeira prestação, levou um susto com o título de US$ 28 mil. O segundo ato: acreditou que na Justiça resolveria essa pendência com alguma brevidade. Outro equívoco. A maratona não terminou, parece longe de uma solução. Depois de vagar preguiçosamente pelos tribunais de São Paulo, a causa partiu para Brasília, onde permanece. "Eu não posso dar um passo na vida", protesta. SEM DIREITOS Com o mico na mão, o empresário não tem direito a novos créditos. Não pode sequer vender um bem. Tentar ele pode, mas eventual interessado descobrirá, por certidão de cartório ou do sistema bancário, que Naso carrega dívida de grande monta. "Todo esse tempo sem poder realizar nada, não posso fazer projeto, não posso ampliar o quadro de funcionários." Antes de ir à Justiça, tentou composição com o banco. Foram tantas reuniões que perdeu a conta. Naso argumenta que a quebra da previsão inicial ocorreu porque o banco teria cobrado juros antes mesmo de liberar o valor, levando a uma distorção de mais de 40%. Diante do impasse, ingressou com ação judicial, em 1993, para rever o débito e as cláusulas contratuais. No primeiro embate, o juiz entendeu que não cabia discussão de tal âmbito nos autos. O banco não deixou por menos e executou a dívida, a 18 de novembro de 1994. Dois anos depois, em 15 de outubro de 1996, o banco apresentou perícia cobrando fatura de R$ 341,54 milhões. A sentença saiu em 1997, a 22 de setembro, reduzindo a dívida para R$ 4 milhões. As partes apelaram e os autos mudaram de mãos. A papelada saiu da primeira instância e foi para tribunal de alçada cível da capital. Em março de 2000, a corte acolheu recurso da empresa e enxugou a dívida para R$ 1,5 milhão. Decidiu que o banco deveria pagar as custas do processo. Os advogados do banco recorreram ao Superior Tribunal de Justiça, onde o processo começou a ser apreciado em 21 de maio de 2002. O julgamento terminou em 28 de abril de 2003. O banco conseguiu acréscimo de juros de 1%, elevando a dívida de Luiz Fernando Naso para R$ 2 milhões, atualizados. BRASIL Mais um recurso, embargos de declaração, impediu o fim da batalha. Ficou decidido que as despesas da ação seriam divididas e a responsabilidade do banco limitada a R$ 300 mil. O restante seria ônus da empresa, a ser apurado a contar da data do início da ação. Novo recurso, embargos de divergência, deu entrada pelas mãos do advogado Jarbas Machioni, que defende a empresa de Naso. "Como a decisão do STJ desconsiderou o laudo inicial, os valores terão de ser rediscutidos e isso pode se prolongar por mais 10 a 12 anos", teme Machioni. "Há 10 anos não posso pegar um tostão em banco", diz o empresário. "Sempre aparece que eu devo uma fortuna." Garante ter depositado em juízo o valor que considerava devido. Para amortizar a dívida, alugou o prédio de Diadema. "Pegamos o dinheiro do BNDES, construímos em Boituva. Levamos ano e meio, mas cumprimos o projeto." Quinze anos depois, resta desapontamento. "Foi um engodo, não posso me mexer." Com dificuldades, toca as 11 unidades do instituto de ensino da família. O imóvel de Boituva e um outro, em São Paulo, estão penhorados. "É o Brasil."