Título: Um emaranhado sem fim de leis, recursos e adendos
Autor: FAUSTO MACEDO
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/02/2005, Nacional, p. A5

Antes de cruzar os portões de magnífico Palácio da Justiça em busca de direitos ou reconhecimento de algum crédito, consulte sua consciência e, se tiver condições e dinheiro, um advogado experiente. Pense muito, quantas vezes puder. Lembre-se do conselho de jurista: "Mais vale um mau acordo do que uma boa demanda." Ainda que considere seu direito líquido e certo, não se iluda. Tenha ciência de que isso não quer dizer muita coisa. Não basta a munição que por ventura tenha em mãos contra seu oponente, dita outra parte no vocabulário forense. Ela pode ser pulverizada no curso da ação. Afinal, agirá a favor do rival, e contra suas pretensões, um labirinto de leis que dão vida e forma às apelações. O mundo da toga e dos códigos respeita o sagrado direito de defesa, mas também se perde na longa estrada feita de embargos e recursos. Por mais esforçado e dedicado que seja o magistrado da causa, ele também se torna refém da pegajosa legislação processual. O juiz decide de acordo com suas convicções, mas ele não é tão livre assim. É obrigado a seguir o que manda o ordenamento jurídico vigente, incluídas as leis infraconstitucionais, a legislação extravagante (que não está nos códigos) e, sobretudo, a Carta. Não dá para sair disso. Assim, o risco de o autor de uma ação amargar 12 ou 15 anos na fila é enorme. Há exceções, mas a regra é essa. COLOSSO Na prática funciona assim: contra um recurso cabe outro e contra esse vem mais um. É um trem de recursos, adendos e quetais. Um processo que se preze divide-se em duas etapas. A primeira é a do conhecimento, quando o juiz decide a causa. A segunda é a fase da execução, quando o juiz manda cumprir aquilo que decidiu. Tanto lá como cá os recursos têm território livre. Uma ação ordinária não é tão simples como pode parecer. Ela segue tramitação prevista no Código de Processo Civil, um colosso do mundo jurídico que impera desde 1973 com seus 1.220 artigos - afora os parágrafos, os incisos e as alíneas, cada qual impondo uma norma e uma conduta. A contaminação do processo já começa quando o juiz dá o seu primeiro despacho, uma decisão provisória. Se ele rejeita uma prova ou ofício qualquer, contra essa medida cabe o agravo de instrumento perante a segunda instância. Ao próprio magistrado da causa, as partes - como são formalmente identificados autor e réu - também podem recorrer. É a vez dos embargos de declaração, recurso que cabe quando uma parte, ou as duas, pede esclarecimento sobre trecho não compreendido da decisão judicial. Existe a correição parcial, que é da família do agravo de instrumento. E tem o agravo retido, de caráter provisório, contra qualquer tipo de decisão lançada nos autos. RECLAMAÇÃO O recurso de reclamação, como diz, é contra o juiz que não teria cumprido decisão do tribunal. Já a apelação é dirigida contra a sentença - a parte não se conforma e vai à instância superior. Quem já ouviu falar do recurso adesivo? Por incrível que pareça, ele existe mesmo. É aquele que se vincula a um recurso principal, no caso da sucumbência recíproca - ou, quando vencidos autor e réu. Recursos se multiplicam. Existem os recursos contra recursos. É assim quando o processo está no tribunal, onde reinam o agravo regimental, os embargos infringentes e os declaratórios. O agravo regimental é contra algum ato do relator do recurso. Os infringentes para casos em que a decisão não é unânime. E os declaratórios para que a corte esclareça o acórdão. Chega a vez do recurso especial, quando a causa vai para o Superior Tribunal de Justiça. E o recurso extraordinário, perante o Supremo Tribunal Federal, mais alta corte do País que, em tese, deveria cuidar exclusivamente de questões de ordem constitucional. Engana-se quem pensa que, depois de tão longa maratona, o processo chegou ao fim. Ele ingressa na fase da execução, onde também cabe montanha de recursos. TERCEIROS A Justiça manda fazer uma execução de crédito e penhora um bem. Um imóvel, por exemplo. Já dá para recorrer. Discute-se o valor da execução. Depois, mais um recursinho para decidir se o bem penhorado para garantir a execução pode ou não ser penhorado. Chega? Ainda não. As portas estão abertas para novo recurso, agora para decidir se houve excesso de valor. Por aí vai. Cabe recurso contra a atualização do valor, recurso contra o edital que avisa que o imóvel vai ser penhorado. Há os embargos à execução, aquele que interessa ao devedor. Abre-se oportunidade aos embargos à arrematação, que é quando se discute se há alguma nulidade no leilão do imóvel. Terceiros também podem fazer uso dos recursos. À vontade. É do entendimento jurisprudencial - decisões dos tribunais superiores. Eles, os terceiros, podem discutir eventual prejuízo sofrido com a execução do bem. O que falar então da fungibilidade dos recursos? Manual da Justiça Federal traduz a coisa, à sua maneira: "Critério pelo qual a interposição de um recurso por outro não impede seu conhecimento, desde que não haja erro grosseiro e que esteja no prazo certo." O processo pode sofrer duro golpe quando se constata fraude à execução. É a alienação ou oneração de bens, por parte do devedor, quando contra ele já corria demanda capaz de levá-lo à insolvência. Não bastasse tudo isso, nenhum processo está livre do efeito suspensivo - ou efeito de recurso que impede a prática de qualquer outro ato no processo, até decisão do grau superior, impedindo também a execução provisória.