Título: PT comemora aniversário com o desafio de reencontrar o equilíbrio
Autor: Vera Rosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/02/2005, Ncional, p. A4

Dilema é descobrir como continuar sendo um partido de esquerda, representante de movimentos sociais, agora que chegou ao poder BRASÍLIA - O modo petista de administrar, à base de orçamentos participativos, ficou para trás. Com gestão profissional e uma estrutura de fazer inveja às grandes empresas, o PT completa hoje 25 anos enfrentando um dos maiores dilemas de sua história: como um partido que fincou estacas nos movimentos sociais e chegou ao Palácio do Planalto ainda pode representar as angústias de antigos companheiros? Se o desafio fosse apenas esse, já seria muito para uma sigla com origem na esquerda que, em sua trajetória, foi protagonista de uma guinada rumo ao centro, casando de papel passado com legendas que antes provocavam arrepios nos petistas. Mas não é só. Pressionado por todos os lados, o PT também luta pela repactuação interna. Enfrenta a fragmentação de grupos, personalismos e desobediência de decisões tomadas. O caso mais recente para ilustrar a prática é a disputa fratricida pela presidência da Câmara. O candidato oficial do PT, com o apoio do Planalto, é Luiz Eduardo Greenhalgh (SP). Seu colega petista Virgílio Guimarães (MG), no entanto, promete desafiá-lo no plenário no dia 14. É PT contra PT.

Numa reunião secreta realizada em Brasília, há cerca de 15 dias, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, mostraram preocupação com a rebeldia dentro do partido. Tanto Lula como Dirceu disseram ao presidente do PT, José Genoino que, passada a eleição na Câmara, Virgílio terá de sofrer as conseqüências de seus atos. Traduzindo: ele só não será suspenso da bancada petista agora porque a avaliação é de que seria considerado vítima e, vestindo esse figurino, poderia até ganhar a parada.

"A instituição partido tem de ser respeitada. Se não for assim, cada um faz o que quer e vira uma bagunça", tem dito Lula em todos os casos que envolvem confrontos com a direção. Desde que fundou o PT, em 1980, ele sempre pregou a disciplina partidária. Obedeceu às decisões mesmo nos raros momentos em que suas propostas foram vencidas.

GOVERNABILIDADE

Além da disciplina, outro assunto sobre o qual o Planalto e o PT vão se debruçar neste ano diz respeito à "governabilidade social" e à chamada "agenda do desenvolvimento". Pouco depois de ter assumido a Presidência, em 2003, Lula participou de encontro com petistas, em São Paulo. Elogiou o duro ajuste econômico levado a cabo pelo ministro da Fazenda, Antonio Palocci, mas lamentou: "Justamente na área social, onde o PT é forte, estamos fracos." De lá para cá, a situação melhorou. Ainda não é, porém, como o esperado.

No Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, o ministro Patrus Ananias, do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, deu explicações à platéia sobre as dificuldades enfrentadas pelo governo. "Nós somos um dos cinco ou seis países mais desiguais do mundo. É uma situação que não se resolve da noite para o dia, mas estamos avançando, ainda que seja aos trancos e barrancos", disse Patrus.

Em maio, a cúpula do PT promoverá uma conferência nacional com os movimentos sociais, em Belo Horizonte. "Não vamos tapar o sol com a peneira: sabemos que há divergências e queremos reforçar a ligação com nossa base popular, com os militantes e movimentos sociais", argumenta Genoino. "Desde que não seja uma tentativa de fazer com que os movimentos sociais sejam aliados do governo, tudo bem", observa Jaime Amorim, um dos coordenadores do Movimento dos Sem-Terra (MST). "Cada um deve ficar no seu campo de luta, na sua frente de batalha."

REELEIÇÃO

O afago dos petistas não é à toa: no planejamento estratégico de poder está o projeto da reeleição de Lula, em 2006. Além disso, pesquisas mostram que a imagem ética do PT começou a se diluir diante da classe média, que fustigou o partido nas eleições municipais. O escândalo provocado por Waldomiro Diniz, o assessor da Casa Civil flagrado pedindo propina a um empresário do jogo do bicho, foi um baque para Dirceu, para o partido e para o governo. Em outubro, oito meses depois do caso Waldomiro, o PT conquistou 411 prefeituras no País, mas sofreu derrotas emblemáticas, como as de São Paulo e Porto Alegre.

Os velhos companheiros também ameaçam com jornadas de lutas e protestos, nos próximos meses. Pela reforma agrária, contra a reforma universitária, e assim por diante. "A coisa que mais irrita Lula é quando o comparam com Fernando Henrique Cardoso", conta o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Luiz Marinho. Ele mesmo teve a experiência. Em dezembro, Marinho ponderou a Lula que, se não corrigisse a tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física, o governo do PT acabaria por cometer os mesmos erros do seu antecessor. "Não aceito essa comparação, porque é injusta", rebateu Lula. "Não quero que nenhum líder sindical fique me lambendo. Quero que vocês digam a verdade, que me corrijam quando for necessário, mas é preciso ter consciência. O que estamos fazendo é para valer, não só para constar."

Lula insiste na tese de que os movimentos sindicais, populares e sem-terra têm de ser cada vez mais chamados para "parcerias" com o Planalto. "O PT precisa voltar a ter influência decisiva nesses movimentos. Nós precisamos reorganizar o partido", diz, sempre que os compadres petistas se reúnem.

Quando seus pares reclamam das cotoveladas na direção do PT, o presidente procura acalmá-los. "Na oposição, nós sempre criticamos os outros. Agora, somos cobrados e temos de ouvir. A vida é assim", ameniza. Nessas horas, o "Lulinha paz e amor" da campanha de 2002 parece estar de volta. Agora preparando terreno para 2006.