Título: 'Rola até cadeirada nas reuniões'
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Fonte: O Estado de São Paulo, 10/02/2005, Nacional, p. A4

José Dirceu, que já presidiu o partido, diz que o clima esquenta entre os petistas

BRASÍLIA - Eles se chamam de companheiros, mas nos bastidores quase se matam. Alguns são moderados, outros radicais e agora uma nova facção se declara "em dissidência". No PT do presidente Luiz Inácio Lula da Silva,muitos grupos querem demarcar território. Cada um a seu modo, todos alimentam a disputa interna, na tentativa de ocupar mais espaço. O ministro José Dirceu, que presidiu o PT de 1995 a 2002, diz que "rola até cadeirada" nas reuniões. Exageros de retórica à parte, é quase isso. Um ano após a expulsão da senadora Heloísa Helena (AL) e dos deputados Babá (PA), Luciana Genro (RS) e João Fontes (SE), 113 militantes decidiram deixar o PT espontaneamente, há 13 dias. Entre eles estão os economistas Plínio de Arruda Sampaio Júnior e Reinaldo Gonçalves - um dos que assinam o programa econômico de Lula em 2002. "Nosso movimento é só uma rachadura no dique. Mas outras ondas virão", afirma Sampaio. Para ele, o governo Lula "aprofundou" o neoliberalismo. "A direção do PT não escuta a voz dos militantes, das ruas nem sua consciência crítica. O partido foi tomado por uma oligarquia que controla tudo com mão de ferro", diz.

Seu pai, o economista Plínio de Arruda Sampaio, ainda não saiu do PT, mas se declara em dissidência. Ex-deputado constituinte, ele é um dos desiludidos com o governo e o partido que ajudou a fundar. "Continuo petista, mas não estou mais disposto a seguir as decisões da cúpula. Seguirei só quando elas estiverem de acordo com as resoluções dos encontros." Na sua avaliação, o PT virou "o partido da ordem", cheio de fissuras.

Sampaio foi escalado por Lula para preparar um programa de reforma agrária. Especialista no tema, entregou a encomenda em dezembro de 2003. "Cortaram tudo pela metade e não cumpriram nem a meta estabelecida para os assentamentos", lamenta.

BEDEL DO PLANALTO

Há poucos dias, as facções radicais Democracia Socialista e Articulação de Esquerda lançaram a Carta aos Petistas, escancarando as fraturas do PT. "Cerramos fileiras em torno dos que não têm vergonha de dizer que são socialistas e combater a hegemonia do capital", diz Walter Pomar, vice-presidente do PT. "A última boa briga que travamos juntos foi para eleger Lula. Se é verdade que nosso governo é de centro-esquerda, alguém tem de ser de esquerda. E, se não for do PT, quem será? O PT precisa ser o bedel do Planalto."

As divergências engordam ainda mais por causa da eleição direta, com o voto dos 800 mil filiados, para as direções municipais, estaduais e nacional do partido, em setembro. O presidente do PT, José Genoino, é candidato ao segundo mandato. Deve ser reeleito, mas enfrentará muita oposição. "Estou calejado na administração do departamento de mágoas e intrigas", comenta.

Para o deputado Ivan Valente (SP), da Força Socialista, o PT vive uma grande crise. "A política do governo Lula não representa mais o programa do PT", resume. A próxima batalha que deve ser travada entre o Planalto e a bancada petista no Congresso tem nome: autonomia do Banco Central. "Será uma guerra", prevê o deputado Chico Alencar (RJ).