Título: Acordo sem álcool?
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Fonte: O Estado de São Paulo, 12/02/2005, Notas e Informações, p. A3

N ão contem com a França para facilitar um acordo comercial entre União Européia (UE) e Mercosul. A terceira maior economia da Europa e uma das sete mais industrializadas continua a ser o principal centro de resistência do protecionismo agrícola europeu. O governo francês não aceitará um acordo que facilite a entrada de etanol brasileiro na Europa, disse na semana passada o ministro das Finanças da França, Hervé Gaymard. Cinco dias antes, em Davos, na Suíça, o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, e o presidente da Comissão Européia, José Manuel Durão Barroso, haviam combinado um esforço para terminar a negociação entre os dois blocos antes da conclusão da Rodada Doha.

A advertência de Gaymard mostra como será complicado satisfazer as ambições de Lula e Durão Barroso, expressas no ambiente amigável de um almoço. A resistência francesa à importação de etanol brasileiro não tem nenhuma relação com as chamadas preocupações não-comerciais, noção inventada para servir de biombo a formas novas de protecionismo. Não se trata, no caso da barreira contra o álcool de cana, de proteger o ambiente, de promover o bem-estar dos animais ou de preservar o estilo de vida rural. O argumento é mais franco: se o produtor brasileiro tiver acesso ao mercado europeu, a indústria francesa de álcool não poderá enfrentar a competição.

Mas não se trata de uma indústria nascente num país em desenvolvimento. Também não é uma questão de escala, pois a França tem um grande mercado consumidor. Simplesmente, o açúcar e o álcool europeus são muito mais caros que os produzidos no Brasil, porque a produtividade brasileira, nessa área, é muito maior.

O Brasil desenvolveu tecnologia para produzir cana e também para fabricar equipamentos de indústrias de açúcar e de álcool. Uma empresa brasileira, a Dedini, acaba de vencer uma concorrência internacional para vender equipamentos à americana United States Sugar Corporation, da Flórida.

O País tornou-se líder mundial no agronegócio da cana graças a importantes investimentos em pesquisa agronômica e em tecnologia. O mero subsídio à produção, nas crises do petróleo dos anos 70 e 80, não bastaria para esse resultado.

Agriculturas subsidiadas com recursos imensamente maiores e de forma permanente, como a americana e a européia, tornaram-se menos competitivas que a brasileira em vários tipos de produção. Continuam, portanto, dependentes de proteção especial e por isso resistem à liberalização do comércio agrícola.

> A oposição francesa à importação de etanol é uma atitude, como se diz na linguagem em moda, emblemática. Mostra sem disfarce o protecionismo que envolve o agronegócio europeu e especialmente o francês. É um protecionismo diferenciado, no entanto, porque concede tratamento especial a países que mantêm com a Europa vínculos econômicos e diplomáticos quase coloniais.

Talvez o novo comissário de Comércio da União Européia, o britânico Peter Mandelson, consiga apresentar ao Mercosul concessões comerciais que justifiquem um acordo entre os dois blocos. Para isso, terá de vencer oposição, principalmente a francesa, a uma abertura maior do comércio agrícola. Permanece a tendência, entre os europeus, de só apresentar concessões significativas, nessa área, se os americanos oferecerem uma contrapartida generosa nas negociações globais de comércio, a Rodada Doha.

Se esse for o caso, os governos do Mercosul ficarão diante de duas possibilidades: ou aceitam ofertas européias modestas para o comércio agrícola, confiando em conquistas maiores na rodada global; ou recusam as ofertas européias e desistem de negociar com a UE antes do fim da Rodada Doha.

Mas ninguém pode prever com alguma segurança quanto tempo ainda se gastará nas negociações globais. Na melhor hipótese, poderão ser concluídas no próximo ano. E se não forem? Então, uma demora maior na discussão de um acordo Mercosul-UE poderá ter um custo muito alto. Quanto maior a demora, maior o risco de que outros países, a começar pela China e outros da Ásia, ocupem espaços com seus produtos industriais no mercado europeu.