Título: Súmula vinculante e outros temas
Autor: Almir Pazzianotto Pinto
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/02/2005, Espaço Aberto, p. A2

Aguardada como medida de combate à morosidade do Poder Judiciário, a súmula vinculante reveste-se de aspectos positivos, conforme demonstram aqueles que a defendem. Isso não significa, contudo, que esta terapia processual não tenha contra-indicações ou não corra perigo de gerar efeitos colaterais, o que somente com o tempo e sua aplicação se saberá.

A legislação processual já defere aos tribunais o direito de aprovação de súmulas, destinadas a dar efetividade à jurisprudência pacificada e servir de marcos para as instâncias inferiores. No passado, o Processo Judiciário do Trabalho dispunha de "prejulgados", estabelecidos pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), em conformidade com disposições do regimento interno. Determinava o parágrafo 1.º do artigo 902 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que, "uma vez estabelecido o prejulgado, os Tribunais Regionais do Trabalho, as Juntas de Conciliação e Julgamento e os juízes investidos da jurisdição da Justiça do Trabalho ficarão obrigados a respeitá-lo". Tinha-se, dessa maneira, embora com outra roupagem, a súmula vinculante no processo trabalhista. Exemplos de prejulgados foram o de n.º 10 - que firmava: "Não cabe ação rescisória no âmbito da Justiça do Trabalho" - e, em sentido diametralmente oposto, o de n.º 16, que determinava: "É cabível a ação rescisória no âmbito da Justiça do Trabalho." Mencione-se, ainda, o de n.º 23, que, em sintonia com o regime autoritário, prescrevia: "Falece competência à Justiça do Trabalho para determinar a reintegração ou indenização de empregado demitido com base nos atos institucionais."

Como registrou Souza Batalha, no Tratado de Direito Judiciário do Trabalho, o prejulgado teve adeptos e adversários de prestígio, até perder o poder vinculativo por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) e, finalmente, desaparecer, em razão da revogação do artigo 902 pela Lei 7.033/82.

Princípio salutar e universal, destinado a proteger o juiz nos Estados democráticos de Direito, é o do livre convencimento para julgar as causas submetidas à sua jurisdição. A ele compete, por direito-dever, apreciar a prova e aplicar a lei vigente, de acordo com a sua interpretação e convicção. Em caso algum, porém, a decisão deixará de ser fundamentada ou de examinar, sem se omitir, todos os aspectos essenciais da demanda.

O ministro Mário Guimarães, na obra O Juiz e a Função Jurisdicional, escreveu: "O haver, também, jurisprudência indicadora de certo rumo será apenas indício de ser este o melhor. Não deixe, contudo, o magistrado de formar convicção própria. O reexame da matéria pode sugerir um argumento, pró ou contra, que tenha escapado a outros. As leis, ensina Jean Cruet, 'fazem-se em cima; as boas jurisprudências vêm de baixo'. Surgem do contato mais direto do juiz com os litigantes. Por modesto que seja, não hesite, pois, o magistrado, quando acaso dissinta, em levar por diante o seu convencimento, desde que o faça estribando-o em razões honestas. Ante a asserção por todos proclamada, tenha presente que, não raro, a vida parodia o conto imaginoso de Andersen sobre a roupa do rei."

As experiências do Judiciário Trabalhista com o extinto prejulgado deixaram patentes os riscos de envelhecimento que cercam a jurisprudência e o desejo de julgar com liberdade que anima os magistrados.

A implantação da súmula vinculante, graças à persistência do presidente do STF, ministro Nelson Jobim, não significa garantia plena de sucesso a esse instrumento de fixação da jurisprudência, a menos que seja utilizado com moderação e cautela, para que não se abastarde e caia em descrédito.

Se a eficácia da súmula vinculante desperta dúvidas, reservas também ocorrem em relação ao órgão de controle externo, que não estará imune ao risco de se converter em pesado ornamento burocrático, abarrotado de queixas e representações, procedentes ou não, e de se transformar em instância extraordinária de julgamentos.

A emenda aprovada reveste-se, todavia, de aspectos indiscutivelmente positivos. Um deles consiste na determinação de que "a distribuição dos processos será imediata, em todos os graus de jurisdição". A medida foi por mim adotada ao assumir a presidência do TST e, aos poucos, se estendeu aos Tribunais Regionais do Trabalho. A tradicional distribuição "gota a gota" favorecia juízes morosos e comprometia a imagem do Judiciário. Tornara-se banal a permanência do recurso dois ou três anos na fila da distribuição - tantas vezes burlada por alguém de prestígio - até a designação do relator, hoje feita por meio eletrônico.

Outra alteração, dirigida à Justiça do Trabalho, consiste na exigência de que a instauração de dissídio coletivo dependa da concordância de ambas as partes. Este requisito, aliado à dificuldade criada para se submeter movimento grevista à apreciação dos tribunais, deverá fazer com que os sindicatos profissionais e patronais se dediquem com afinco à obtenção de soluções negociadas nos conflitos de natureza econômica.

Os brasileiros que sofrem a crise do Judiciário aspiram por reformas que surtam efeitos rápidos e positivos. Aprenderam, todavia, sobretudo com a Constituição de 1988, que há largo espaço entre utopia e realidade, entre o desejável e o possível.

Espera-se que a reforma proporcione a juízes e tribunais instrumentos que lhes permitam oferecer prestação jurisdicional de alta qualidade, em tempo social e economicamente razoável. Almir Pazzianotto Pinto é ex-ministro do Trabalho e ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho, aposentado