Título: A busca da cura para o ensino médico
Autor: Gabriel Manzano Filho
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/03/2005, Vida &, p. A24

Para muitos especialistas, além da atualização profissional, é preciso reformular as faculdades, a residência e o sistema de saúde

Ao tornar obrigatória a atualização profissional dos médicos brasileiros, em uma resolução que entra em vigor a partir da semana que vem, o Conselho Federal de Medicina atirou num problema sério e acertou em outro maior. Atualizar, advertem os bons médicos, é arrumar a ponta final de um novelo - mas o desafio, para o País, é desatar os nós do novelo inteiro. Cuidar da decadência do ensino, dos jovens médicos mal orientados, do subemprego, de uma residência médica cada vez mais montada para atrair mão-de-obra barata. Enfim, acabar com o desperdício de dinheiro numa formação equivocada, que desemboca num serviço de saúde ruim. "Muitas escolas médicas são criadas para atender a vaidades pessoais, para ser o carro-chefe da universidade", diz Antônio Carlos Lopes, titular de Clínica Médica da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), clínico médico e cardiologista. "Se ela tem Medicina, seu status é outro. Aí se convidam médicos que não são bons professores, professores que não são mestres", alerta.

Crítico antigo da proliferação abusiva de escolas médicas, Lopes trava uma batalha dura, como secretário executivo da Comissão Nacional de Residência Médica, para dar bom destino aos quase 20 mil jovens residentes distribuídos pelo País. Um dos desafios, adverte, é resgatar a residência, passagem crucial do ensino teórico para a vida real, dos livros para os doentes.

São as mesmas preocupações de um dos mais bem-sucedidos médicos brasileiros, o cancerologista Drauzio Varella. "A atualização é bem-vinda", diz ele. "Mas o ensino nem sempre é bom. Os que não conseguem residência médica vão ao mercado buscar emprego e sobreviver. Trabalhando muito e ganhando pouco, qual é o incentivo que esse profissional tem para estudar mais?"

Atualizado por natureza, habituado a viajar ao exterior quatro ou cinco vezes por ano em busca de novas idéias nos congressos mundiais de medicina - mas sem tirar o pé dos quartos de hospital e ambulatórios -, Varella adverte: "Na vida real, atuando em empregos que pouco exigem, sem equipamentos, sem cobrança à sua volta, falta motivação para muitos desses profissionais."

Também falta o conceito de educação permanente, acrescenta a professora Maria do Patrocínio Tenório Nunes, da Faculdade de Medicina da USP e da Associação Brasileira de Escolas Médicas. "A gênese do problema está nas próprias escolas, que acham que formar um médico é só transmitir informações", diagnostica.

Mas o circo não está parado. Tanto o Conselho Nacional de Residência Médica como a Associação Médica Brasileira (ABM) debatem, há pelo menos cinco anos, o que fazer para melhorar a formação dos médicos no País. Uma pequena revolução também se faz, a cada dia, pela internet, onde sites de alta qualidade, em áreas como cardiologia, ortopedia e pediatria, criam programas de educação continuada, publicam artigos dos figurões do ramo, fazem a ponte entre os profissionais e garantem uma freqüência a cada dia maior aos debates e congressos.