Título: Lula planeja mudança na surdina para espantar o fisiologismo
Autor: Vera Rosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/03/2005, Nacional, p. A4

Presidente chegou a discutir com o petista João Paulo no Planalto e avisou que não consultará ninguém quando for trocar ministro

BRASÍLIA-Depois de jogar a reforma ministerial para escanteio, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva diz para quem quiser ouvir que é um homem aliviado. Na semana passada, Lula assegurou a aliados do PMDB que fará mudanças na equipe sem pressa e no seu tempo. Está convencido de que é preciso investir para espantar o fisiologismo e, nesse vácuo político, mostrar serviço. O governo avalia que o prazo fatal para vender a agenda da eficiência, já de olho na reeleição de 2006, é 31 de março. A data é também o limite legal para ministros que pretendem disputar as eleições de outubro deixarem seus cargos. Antes disso, no entanto, o presidente pode trocar um ou outro nome, mas na surdina. Na longa temporada de especulações em torno da reforma, Lula ficou muito contrariado não apenas com a marca do toma-lá-dá-cá que seu governo começou a passar como também com as pressões dos aliados e do próprio PT.

Na segunda-feira à noite - já irritado com o ultimato feito pelo presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), que ameaçou atazaná-lo na oposição caso seu afilhado não ganhasse um ministério -, Lula discutiu feio com o deputado João Paulo Cunha (PT-SP), no Palácio do Planalto.

Ex-presidente da Câmara, João Paulo era o nome defendido por setores do PT para o lugar do ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo (PC do B). Antes dele, a unanimidade no PT para a cadeira de Aldo concentrava-se em José Dirceu, o chefe da Casa Civil. Mas Lula queria que Dirceu continuasse na gerência.

O problema é que, na avaliação do presidente, o deputado petista não está disposto a colaborar com o Planalto. Não quer abrir mão da pré-candidatura ao governo de São Paulo e reivindicava o "poder da caneta" para nomear e demitir. Lula, que apóia para a sucessão paulista o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), não gostou das exigências.

BATE-BOCA

Na fatídica segunda-feira que antecedeu o anúncio da suspensão da reforma, Lula falou alto com João Paulo, que dias antes já havia batido boca com Mercadante. O deputado, por sua vez, desfiou um rosário de queixas sobre os rumos do governo e a indecisão do presidente. Sem a Coordenação Política - que, àquela altura, Lula já planejava oferecer mesmo à senadora Roseana Sarney (PFL-MA) -, João Paulo poderia ocupar a liderança do governo na Câmara. Saiu do Planalto pisando duro e sem nada.

Na vida nova política que Lula pretende adotar a partir desta Páscoa está a certeza de que é preciso mudar radicalmente o modelo de articulação política, e não necessariamente o ministro, bombardeado em praça pública pelos petistas durante quase um ano. "Aldo é o melhor quadro governo", afirma o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). "É o porta-voz dos partidos aliados", completa o presidente do PTB, deputado Roberto Jefferson (RJ).

Lula decidiu tomar as rédeas da articulação para ajudar Aldo: vai entrar em campo e conversar com líderes de todos os partidos aliados, que estão fragilizados. Quer inaugurar a fase "paz e amor" para tentar juntar os cacos da base de sustentação estraçalhada, do PMDB ao PP de Severino.

"Se eu tivesse o PMDB unido, não precisaria de nada disso", lamentou Lula. O diabo é que não tem. Na Câmara, onde está o maior foco de rebeldia, o grupo oposicionista do PMDB conta com 43 dos 89 deputados. Os últimos movimentos de Lula, afagando o presidente do PMDB, Michel Temer (SP), mostram que o objetivo é atrair essa ala para negociar com o PP em outras bases.

Em conversas reservadas, o presidente admite que errou ao deixar os ministros expostos à fritura durante tanto tempo, até porque não gostava de nenhum desenho de reforma que lhe era apresentado, antes mesmo de reagir ao ultimato de Severino e virar a mesa. Avalia, porém, que o PT errou ainda mais ao se dividir na disputa pelo comando da Câmara. Para Lula, o dique começou a rachar quando João Paulo insistiu em sua própria reeleição e "segurou" o lançamento de outro candidato petista. Na versão do deputado, foi o Planalto que o incentivou a concorrer.

Divergências à parte, o fato é que a jogada para convencer José Sarney (PMDB-AP) a apoiar Renan Calheiros na presidência do Senado passou pela promessa de tapete vermelho para receber Roseana em algum prédio da Esplanada. É um compromisso que Lula vai cumprir, embora ainda não tenha definido onde nem quando. Com uma diferença: desta vez, sem avisar ninguém.