Título: O presidente assumiu
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Fonte: O Estado de São Paulo, 06/04/2005, Notas e Informações, p. A3

O Palácio do Planalto é hoje o que há de mais parecido em Brasília a um comitê eleitoral. Ali, o presidente Lula assumiu ostensivamente o comando de sua própria campanha ao pleito de 2006. Nem o titular da Casa Civil, José Dirceu, descrito como o ministro da reeleição, muito menos o da Coordenação Política, Aldo Rebelo, rivalizam com Lula no exigente trabalho de construção dos alicerces para o segundo mandato. Depois de tudo o que deu de errado nas eleições municipais, na disputa pela presidência da Câmara, na reforma ministerial e na votação da MP dos impostos, o presidente parece ter chegado à conclusão de que era hora de pôr, ele mesmo, a mão na massa para conseguir ¿ pelas práticas que outrora o PT prometia extirpar da política brasileira ¿ os apoios tidos como imprescindíveis à meta da vitória já no primeiro turno.

A fixação nesse alvo, em tempo integral, revela o receio do Politburo do Planalto de que as chances de Lula sejam menores na segunda rodada. Para formar o mais amplo arco de alianças concebível na atualidade, o presidente passou a atuar em duas frentes: junto à base governista no Congresso, em especial na Câmara, e junto aos partidos, em especial o PMDB, com os quais o PT será induzido a se coligar no maior número de Estados.

Nos dois casos, Lula não mede meios nem discrimina interlocutores. Como alternativa à reforma ministerial que abriria novas vagas na Esplanada às legendas da base parlamentar ¿ e que ele foi obrigado a cancelar por uma questão de honra depois que o deputado Severino Cavalcanti deu como fato consumado a nomeação de um dos seus ¿, o presidente irá desaparelhar, aqui e ali, os setores da administração de interesse de seus aliados.

¿Fazer o controle do segundo e terceiro escalões pelo lado da eficiência é correto e não deve ter cor partidária¿, argumenta o presidente do PT, José Genoino, com a arte dos políticos de usarem palavras para escamotear fatos. Pois a entrega a outras siglas de cargos ocupados por petistas ¿ exatamente por serem petistas, o resto era detalhe ¿ nada tem a ver com eficiência, e tudo com o cálculo reeleitoral.

Lula convida a palácio, digamos, o presidente do PTB, Roberto Jefferson, e, sem eufemismos, pede que indique o nome de sua preferência para certo cargo federal em um Estado, garantindo que se trata de negócio fechado. Por sua vez, o ministro Aldo Rebelo ficou de fazer um circunstanciado inventário das demandas da base por verbas e empregos.

Nesse jogo em que só o resultado conta, é apenas natural que o mais recente interlocutor de Lula tenha sido o ex-governador Orestes Quércia, que chefia o PMDB paulista. Poucos políticos já trocaram em público tantas e tão pesadas ofensas como esses dois. Quércia, por exemplo, disse certa vez que Lula não tinha competência nem para administrar um carrinho de pipoca. Lula retrucou com alusões a delitos capitulados no Código Penal.

Mas isso são águas passadas. Em 2002, Quércia queria que o PMDB apoiasse a candidatura Lula. Um ano mais tarde, sentindo-se insuficientemente recompensado, rompeu com o governo e, ao lado do presidente do partido, Michel Temer (com quem Lula também já conversou), faz parte do que se convencionou chamar ¿ala oposicionista¿ do PMDB, cujos deputados tendem a votar contra o governo, e que fala em candidato próprio para 2006.

Depois de 1h40 com Lula, Quércia saiu quase chapa-branca. ¿O PMDB pode se unir mais no apoio ao governo¿, entoou como quem acaba de ouvir coisas prazerosas. Lula não perdoa a prefeita Marta Suplicy por ter esnobado a idéia de um vice peemedebista para a reeleição, e não admite que isso se repita na disputa pelo Bandeirantes ¿ o que abre sugestivas possibilidades para o próprio Quércia.

Se os conchavos forem adiante, como quer Lula, o PT terá de se resignar em outros Estados a ser vice do PMDB. E o segundo de Lula será um peemedebista (o atual, José Alencar, do PL, deverá se candidatar ao governo de Minas). Quaisquer que sejam as suas chances de êxito, a armação deixa claro que, à maneira dos políticos tradicionais, Lula vê os partidos, a começar do seu, como ferramenta de uso pessoal, e o governo como material de barganha.