Título: Tumulto, clima de confronto e até apagão na Câmara
Autor: Eugênia Lopes
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/02/2005, Nacional, p. A5

Com chamada nominal dos 498 deputados que registraram presença, a previsão era de que processo se arrastasse madrugada adentro BRASÍLIA - Um clima de tumulto e muita confusão, com centenas de cabos eleitorais pagos espalhados pelos corredores do Congresso, tomou conta ontem da eleição para a presidência da Câmara. Por volta das 21 horas, para complicar ainda mais a agitadíssima escolha do sucessor de João Paulo Cunha (PT-SP), houve até um apagão, que atingiu a Esplanada dos Ministérios e, conseqüentemente, o plenário da Câmara. Até o presidente do PT, José Genoino, foi alvo da acirrada disputa entre os cinco candidatos à presidência da Câmara. Segundo seguranças, ele foi agredido por cabos eleitorais do candidato dissidente do PT, Virgílio Guimarães (MG). "Foi uma manifestação de intolerância que faz parte da democracia", desconversou Genoino, que não confirmou a agressão física e preferiu não registrar queixa do incidente.

Ao contrário do Senado, onde Renan Calheiros (PMDB-AL) foi eleito presidente em apenas 12 minutos, a eleição na Câmara se arrastou noite adentro. A votação foi secreta, manual e cada um dos 513 deputados foi chamado nominalmente e teve de se dirigir à cabine para votar em um dos cinco candidatos à presidente e escolher os nomes para os outros seis cargos da Mesa Diretoria, e os quatro que concorreram a suplências.

À meia-noite, 430 deputados haviam votado e faltavam de 60 a 70. Dos 513 deputados, 498 registraram presença. Mas à meia-noite a Mesa não sabia quantos ainda estavam no plenário.

O governo passou o dia tentando articular a eleição do candidato oficial do PT, Luiz Eduardo Greenhalgh (SP), no primeiro turno. A expectativa era ganhar votos de oposicionistas, principalmente tucanos. Apesar de o ex-presidente Fernando Henrique ter defendido no PSDB o voto no pefelista José Carlos Aleluia (BA), o governo esperava os votos de cerca de 35 dos 52 deputados tucanos.

RURALISTAS

Um alvo de Greenhalgh foram os cerca de 100 integrantes da bancada ruralista. Advogado do Movimento dos Sem-Terra (MST), o petista defendeu, na conversa com eles, a reforma agrária dentro da "lei e da ordem". Líderes da bancada, como Ronaldo Caiado (GO) e Abelardo Lupion (PR), do PFL, disseram que o encontro não mudou a decisão de votar em Aleluia. Mas, aparentemente, o discurso de Greenhalgh, que segundo ruralistas chegou a prometer rever a emenda que expropria as terras onde for detectado trabalho escravo, sensibilizou alguns. Josué Bengtson (PTB-BA), Geraldo Tadeu (PPS-MG) e Nelson Marquezelli (PTB-SP) saíram animados.

Depois de reunir as bancadas, os líderes aliados se comprometeram a votar em Greenhalgh. Mas avisaram que o voto secreto poderia trazer surpresas. "Tem gente que está mentindo para burro", disse o presidente do PP, Pedro Corrêa (PE). "Em 27 anos que estou na Câmara, nunca vi o governo perder eleição para presidência. Mas também nunca vi o partido do governo ter dois candidatos."

Em meio ao clima tenso, André Luiz (PMDB-RJ), acusado de tentar comprar votos de deputados na Assembléia do Rio, apareceu para votar, depois de mais de três meses de sumiço da Câmara. Com uma água de côco na mão com o logotipo de Virgílio, fez mistério sobre em quem ia votar. "Ainda estou pensando", disse. Segundo ele, o deputado Severino Cavalcanti (PP-PE), candidato avulso à presidência, e Virgílio lhe telefonaram pedindo voto. "Greenhalgh não me ligou", afirmou André Luiz, que pertence ao grupo político do ex-governador do Rio Anthony Garotinho (PMDB).

CAMPANHA

Três dos cinco candidatos à presidência da Câmara contrataram cabos eleitorais. "Isso tudo é ridículo", afirmou o presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), ao condenar o excesso de propaganda, com cartazes e painéis, e os cabos eleitorais pagos. "É um absurdo. Nunca vi coisa igual na vida", disse João Almeida (PSDB-BA).

Cavalcanti contratou 50 moças, vestindo camisetas justas, para pedir votos. Eram as "severinetes". "Estou ganhando R$ 60 por dia, mais almoço e lanche", contou Marcela Machado, de 24 anos, recrutada numa agência de eventos.

O deputado Robson Tuma (PFL-SP) não poupou na hora da campanha para tentar o cargo de primeiro vice-presidente e pagou R$ 180 por um dia de trabalho para 20 meninas que ficaram o dia todo na Câmara. Tuma contratou ainda três pessoas para fazer performance de estátua humana em sua campanha.