Título: EUA querem impor suas condições para negociar a Alca
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/02/2005, Economia, p. B9

Negociador americano avisa que se Brasil insistir no modelo 4 + 1 terá de aceitar propostas da Casa Branca GENEBRA - Se o governo brasileiro e o Mercosul insistirem em negociar um acordo comercial com os Estados Unidos no modelo 4 + 1, terão de aceitar as condições da Casa Branca. Esse foi o recado dado ontem pelo principal negociador americano para a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), Peter Allgeier. "Fazemos acordos de livre comércio amplos, com ambição elevada e com aqueles que estão prontos negociar sob essas condições", avisou o diplomata. Nos próximos dias 23 e 24, negociadores do Brasil e dos Estados Unidos se reunirão em Washington para tentar retomar as negociações da Alca, paralisadas há meses. Para o México, porém, essa retomada exigirá um "milagre". "A Alca é muito importante e restrições políticas em ambos os lados (Brasil e Estados Unidos) impedem um avanço", afirmou Angel Villalobos, subsecretário de Negociações Comerciais do México.

O Itamaraty, porém, irá insistir, na reunião da semana que vem, no modelo 4 + 1, envolvendo um entendimento comercial os quatro países do Mercosul e os Estados Unidos. Durante o Fórum Econômico de Davos, há duas semanas, o representante comercial dos Estados Unidos, Robert Zoellick, recusou a proposta, apesar de a Casa Branca já estar realizando acordo similares com outros países da América Latina. "Todo mundo sabe o tipo de acordo bilateral que fazemos. Se há qualquer dúvida sobre isso, basta olhar aos nossos acordos com o Chile, Cingapura e todos os demais", afirmou Allgeier.

O aviso de Allgeier indica que um acordo bilateral com o Mercosul somente seria possível se o entendimento não ficasse restrito à redução de barreiras para acesso a mercados para produtos agrícolas e industriais. No caso do Chile e Cingapura, por exemplo, os americanos fizeram questão de implementar regras rígidas sobre propriedade intelectual e proteção de investimentos.

O ministro Luís Fernando Furlan afirmou que o Brasil ainda aguardará a nomeação do novo representante de Comércio da Casa Branca, que deve ocorrer nas próximas semanas, para saber exatamente como lidará com os Estados Unidos. Mas indica que quer aprofundar as relações na área de comercial independente da aprovação de um acordo 4 + 1. Furlan acha possível a concretização de uma série de parcerias, entre elas a exportação de etanol e a instalação de armazéns brasileiros em território americano para facilitar o acesso dos produtos ao varejo. "Os Estados Unidos são um tremendo mercado ainda pouco explorado pelos exportadores brasileiros."

A vontade do ministro em aprofundar a relação é confirmada por um alto negociador latino-americano. "O Mercosul está ficando sozinho e sinto que os industriais brasileiros estão preocupados. Falo com freqüência com Roberto Rodrigues (ministro da Agricultura) e Furlan e me dizem que querem acesso a grandes mercados, e não apenas acordos com Índia ou África do Sul. Está muito claro que o pragmatismo comercial deve superar o pragmatismo político."

Segundo esse negociador, a proposta do Brasil de um acordo separado entre o Mercosul e os Estados Unidos causou a impressão de que Brasília estaria priorizando o entendimento bilateral. Além disso, existiria a percepção de que o Brasil estaria "freando" a Alca por "ter prioridades políticas acima da questão comercial".

BASES E REGRAS

Para Allgeier, a retomada da Alca deveria ter como base o entendimento de Miami, de 2003, e incluiria não apenas acesso a mercado, mas também regras. Para ele, o pacote de Miami permitiria que os países trouxessem os temas para a mesa de negociação, sem que um resultado fosse predeterminado. "Esse é nosso objetivo para a reunião com o Brasil. A questão é saber se podemos encontrar um caminho para as pessoas voltarem a negociar. Não vamos resolver os pontos de controvérsias. Precisamos montar um esquema para as pessoas negociarem, desde que estejam dentro do entendimento de Miami."

A idéia do americano é que o modelo permita que Mercosul e Estados Unidos tragam para a mesa de negociações temas do interesse de cada um. No caso do Mercosul, Allgeier admite que o ponto principal seria agricultura, enquanto os americanos querem debater propriedade intelectual. "O Brasil e os Estados Unidos, como co-presidentes das negociações, devem encontrar uma fórmula que seja aceitável para os outros 32 países do bloco. A fórmula também deve ser aceitável para nós dois, o que nem sempre é fácil."