Título: OMC julga subsídios ao açúcar
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/03/2005, Economia, p. B3

Depois do algodão, o Brasil enfrenta o segundo pilar do protecionismo agrícola: a política européia BRASÍLIA - O Brasil fez duas apostas ousadas na Organização Mundial do Comércio (OMC) nos últimos três anos. Na primeira, enfrentou os subsídios americanos ao algodão e obteve, na última quinta-feira, uma vitória considerada um divisor de águas nas negociações comerciais da Rodada Doha. A aposta contra os subsídios europeus ao açúcar, o produto mais protegido do mundo, será definida esta semana, em Genebra. Se vencer, o Brasil terá derrotado os dois maiores pilares do protecionismo e da subvenção dos países ricos contra a concorrência agrícola do mundo em desenvolvimento. Assim, terá aberto o caminho para que as decisões da Rodada Doha sejam mais ambiciosas no terreno agrícola. Mas, ao contrário do algodão, o caso do açúcar está tirando o sono dos diplomatas brasileiros. Se os árbitros da OMC aceitarem um único argumento dos europeus, o Brasil pode ser derrotado.

As usinas brasileiras, porém, estão confiantes. E é grande o entusiasmo dos especialistas. Mesmo que não traga o troféu do açúcar para os trópicos, a vitória no contencioso sobre os subsídios ao algodão abriu uma "chance de ouro" para uma mudança substancial na posição dos Estados Unidos nas discussões agrícolas da OMC, em benefício dos países exportadores que não se valem dos subsídios, diz Marcos Jank, diretor do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone). Também reforçará as pressões para cortar verbas da política nacional de subvenções agrícolas, a Farm Bill.

"Se os EUA não reformarem sua política agrícola haverá uma explosão de controvérsias na OMC contra seus subsídios. Tanto do Brasil, que começou estudos para uma possível queixa contra as subvenções à soja, quanto de outros países", disse Jank, citando Tailândia, com o arroz, e Argentina, com o milho e o trigo.

Os EUA aumentaram de US$ 10,5 bilhões para US$ 24 bilhões os subsídios para os produtores agrícolas este ano, para manter-lhes a renda diante da queda dos preços internacionais. Para 2006, o governo Bush já enviou um projeto ao Congresso que prevê cortes orçamentários de US$ 587 milhões nesse programa, dentro de sua estratégia de ajuste fiscal. No próximo ano, deverá encaminhar ao Legislativo o orçamento da Farm Bill para o período de 2008-2014, que deverá contar com recursos mais magros que os destinados para 2002-2008.

A possibilidade de os EUA não cumprirem o resultado do Órgão de Apelação da OMC é real, observou Donizete Beraldo, diretor da Área de Negociações Comerciais da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA). Em princípio, o prazo máximo para a remoção dos subsídios, das garantias e dos créditos às exportações é de 15 meses - terminaria em 1.º de junho de 2006. Mas os EUA já ignoraram decisões anteriores da OMC. Se repetirem a iniciativa, a tendência seria o Brasil pedir à OMC a autorização para retaliar as importações de produtos americanos - direito que dificilmente aplicará.

"Há sério risco de a gente ganhar e não levar, o que aumenta a expectativa sobre a implementação da decisão do Órgão de Apelação", afirmou Beraldo. "De qualquer forma, a repercussão na Rodada Doha será enorme porque essa condenação poderá facilmente ser repetida a outros produtos americanos, favorecidos pelos mesmos mecanismos de subsídios, como a soja."

POLÍTICA AGRÍCOLA COMUM

No Itamaraty, não há tanta tranqüilidade sobre a decisão do Órgão de Apelação da OMC sobre o questionamento do regime de subsídios e de comercialização do açúcar da União Européia, esperada entre hoje e amanhã. O risco de o resultado não ser uma goleada, como foi no contencioso sobre o algodão, preocupa os principais condutores desse processo, do lado do Brasil. A falta de jurisprudência e as argumentações brasileiras, amarradas umas às outras, teriam aberto o flanco para a derrubada do caso como uma fileira de dominós.

A vitória nesse caso, entretanto, daria ao Brasil a garantia de que o regime europeu para o açúcar terá de ser modificado, independente do resultado da rodada Doha sobre esse tema.

Desde 1962, quando foi criada a Política Agrícola Comum (PAC), o arcabouço de proteção e de subsídios da União Européia, o regime para o açúcar permaneceu intocado. Não foi alterado nem pelas reformas internas nem pela Rodada Uruguai (1986-1994), o que aumenta as chances de passar incólume à atual Rodada Doha.

Em primeira instância, a OMC acatou toda a argumentação do Brasil. Condenou a exportação dos excedentes do açúcar produzido com altos subsídios na Europa e também do produto que é importado das ex-colônias britânicas que são reexportados. Em caráter preliminar, os subsídios europeus ao açúcar foram condenados à luz do Acordo Agrícola. A União Européia recorreu e, em sua nova defesa, o Brasil pediu que a OMC analisasse o caso com base no Acordo de Subsídios e Medidas Compensatórias. Na prática, pede um prazo ainda mais curto para que os europeus cortem suas subvenções, caso sejam condenados em definitivo.