Título: Juro alto chega às exportações
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/02/2005, Economia e Negócios, p. B4

Pratini de Moraes diz que as seguidas altas da Selic estão estimulando a valorização do real.

BRASÍLIA - A contínua elevação dos juros começa a minar o maior sucesso econômico do governo Lula: o comércio exterior. O alerta foi feito pelo presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), Marcus Vinícius Pratini de Moraes, durante a reunião do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), esta semana. Embora não estivesse na pauta oficial, a sexta alta consecutiva do juro básico dominou a conversa entre governo, empresários e sindicalistas, revelou um assessor palaciano. A intervenção dura mas serena de Pratini calou fundo nos integrantes do governo, angustiados porque 2005, "o ano dos resultados", começou com alta da Selic e inflação resistente. Pratini fez uma apresentação enfática sobre a tendência de a escalada dos juros aprofundar também a apreciação do real em relação ao dólar. Ontem, em entrevista ao Estado, Pratini disse que a taxa de juro nos países com os quais o Brasil tem comércio gira em torno de 10%. Aqui, alcança 18,75%, depois da última decisão do Comitê de Política Monetária.

Essa assimetria, segundo Pratini, cria uma espécie de círculo vicioso: com os dólares resultantes de suas operações nas mãos, os exportadores procuram vendê-los o mais rápido possível, para evitar maiores perdas com a recorrente desvalorização da moeda americana em relação ao real; ao irrigar o mercado com mais dólares, colaboram para acentuar a apreciação da taxa de câmbio e, portanto, para diminuir os ganhos com os embarques de seus produtos.

As conseqüências vêm sendo sentidas pelo agronegócio, mas também a indústria manufatureira começa a sofrê-las.

Na reunião do CNDI, ele afirmou que o setor de couros e calçados já começou a demitir trabalhadores, por conta da queda da competitividade e da rentabilidade das exportações.

O ex-ministro ressaltou aos representantes do governo que o Brasil "já viu esse filme da valorização do real", e não há benefícios em reeditá-lo. "Fui enfático neste ponto, mas tentei não demonstrar braveza", disse.

As ponderações apresentadas por Pratini se somam às críticas que a política econômica vem enfrentando dentro do governo, um processo de fogo amigo alimentado pelo vice-presidente José Alencar, pelo ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, e por políticos como o senador Aloizio Mercadante (PT-SP).

Agora, juntou-se ao grupo o ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini. "A taxa de juro elevada e o atual nível do câmbio preocupam o governo", admitiu, esta semana, ao anunciar a criação de 115.972 empregos em janeiro. Ele acha que ainda não houve prejuízos à atividade econômica, mas esse quadro pode mudar.

O acirramento das críticas contra a política econômica após os sucessivos aumentos da taxa Selic não surpreende a equipe do ministro da Fazenda, Antonio Palocci. "A cada reunião do Copom temos pelo menos 48 horas de ataques. Faz parte do processo", afirmou um economista do governo.