Título: Importações da China ameaçam a indústria nacional, alerta a Fiesp
Autor: Marcelo Rehder
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/02/2005, Economia, p. B3

Estudo da Federação das Indústrias de São Paulo mostra crescimento de 514% nas compras de eletrônicos e de 169% no ramo têxtil

A invasão de produtos chineses ameaça varrer do mapa empresas de diversos setores da indústria brasileira. Levantamento da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) mostra que a importação de produtos industriais provenientes da China atingiu US$ 3,303 bilhões no ano passado, 82,83% a mais do que em 2003 (US$ 1,807 bilhão). Em alguns segmentos, o crescimento chegou a 575% - caso dos produtos químicos. Não é um exemplo isolado. Nos cerâmicos, a alta foi de 193% e nos móveis, de 96%. "A concorrência dos produtos chineses é desleal, porque eles têm preços artificiais, que os tornam mais baratos que os fabricados em qualquer outro lugar do mundo", diz Paulo Skaf, presidente da Fiesp.

Segundo ele, as taxas de câmbio subvalorizadas do país são um dos motivos dessa situação. Estima-se que o yuan esteja hoje cerca de 40% abaixo do valor real, o que o aumenta artificialmente a competitividade dos produtos chineses.

Além disso, a remuneração do trabalho é baixíssima. Um estudo da consultoria alemã Roland Berger indica que a mão-de-obra no Brasil é três vezes mais cara que a da China. O trabalhador brasileiro sai a US$ 3,19 por hora, enquanto o chinês custa em média US$ 1,04. Boa parte dos custos é subsidiado e os impostos são baixos.

Para complicar, os efeitos do real valorizado em relação ao dólar devem ter um impacto maior no aumento das importações ao longo do segundo trimestre, diz Skaf. No ano passado, as importações brasileiras provenientes da China somaram US$ 3,7 bilhões. Desse total, 87% foram de produtos industrializados. Já as nossas exportações para a China atingiram US$ 5,4 bilhões, dois terços das quais, de produtos básicos. "Exportamos matérias-primas, às quais os chineses agregam valor e vendem produtos acabados para nós próprios", afirma o presidente da Fiesp.

Com a queda no preço das commodities, principalmente soja, e o aumento previsto nas importações, o superávit poderá mudar de lado este ano. "O problema não são os dólares que o País deixa de arrecadar, e sim o estrago que as importações provocam principalmente em setores intensivos em mão-de-obra." Nos últimos dois anos, a invasão chinesa foi maior entre os eletroeletrônicos (514%), materiais de transportes (265%) e têxteis (169,6%).

"Há uma preocupação muito grande no setor", diz Fernando Valente Pimentel, diretor da Associação Brasileira da Indústria Têxtil. Segundo ele, os produtos chineses têm condições atípicas, com as quais poucos países podem competir hoje. Pimentel cita como exemplo o fato de o Brasil ter importado daquele país no ano passado 60 milhões de pares de luvas, a 50 centavos de dólar o par, e 2 milhões de gravatas, a 15 centavos de dólar cada. "Nem em barracas de camelôs o preço é tão baixo." O setor têxtil emprega no País 1,5 milhão de pessoas, dos quais 1,1 milhão somente nas confecções.

"Não estamos preocupados com o avanço dos chineses, porque só importamos componentes por não temos fabricação local", diz Humberto Barbato, diretor de Relações Internacionais da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). "Nossa preocupação é no sentido de poder desenvolver o setor no Brasil."

Nessas circunstâncias, a Fiesp cobra do governo a adoção de um plano de ação visando a evitar que a concorrência dos produtos chineses resulte no fechamento de empresas e no aumento do desemprego no País. Para Skaf, o posicionamento do governo de reconhecer a China como uma economia de mercado reduz a capacidade do País em aplicar mecanismos de defesa comercial. "A China é uma economia estatizada, com preços artificiais e muito baixos."

Com esse reconhecimento, os trabalhos para provar casos de dumping (preços artificialmente baixos) ficam mais difíceis. Antes, bastava comparar o preço de exportação com o preço doméstico de outro país. Agora, só vale comparar com o preço doméstico chinês e sabemos que eles não refletem a realidade de mercado", diz Skaf.

Nesse sentido, a Fiesp defende a imediata regulamentação das salvaguardas previstas no protocolo de transição assinado pela China em 2001 para ser admitida como membro da Organização Mundial do Comércio (OMC). Pelo protocolo, espera-se uma transição de 15 anos para o país atingir o estágio de economia de mercado. Até agora, o governo não regulamentou os instrumentos legais (cotas ou sobretaxas) para proteger os produtos brasileiros da concorrência predatória.