Título: Na lavoura gaúcha, perdas e desânimo
Autor: Elder Ogliari, Vania Cristino e E.O.
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/03/2005, Economia, p. B3

PORTO ALEGRE-Os criadores de aves e suínos de Linha Azevedo, na região de Encantado, a 130 quilômetros de Porto Alegre, estão parados. A chuva de domingo passado reanimou as pastagens e pequenas plantações de mandioca. Mas não foi suficiente para encher reservatórios com o volume de água necessário à retomada da principal atividade econômica da região. Quando puderem alojar novos lotes de animais, eles terão de esperar de dois meses, correspondentes ao ciclo do frango, a quatro meses, o ciclo dos porcos, para voltarem a ganhar algum dinheiro. Desanimado, Ademar Farias pensa até em procurar emprego temporário em alguma cidade do Vale do Taquari enquanto o arroio próximo à sua casa não encher. Há dois meses ele entregou seu último lote de suínos. Na semana passada foi a vez dos frangos. Para evitar a morte prematura dos animais que já estavam alojados, a prefeitura enviou água em caminhões-pipa até a entrega para o abate. Depois disso, suspendeu a ajuda porque, diante da escassez, a prioridade passou a ser o abastecimento humano.

Eroldo Orlandini, vizinho de Farias, entregou ao frigorífico sua última carga, de 480 suínos, no início de fevereiro. Desde então, sem animais no chiqueiro e sem a perspectiva de ingresso de receitas, a família mantém suspensa a reforma da casa, mesmo com os tijolos e a brita no pátio.

Há unanimidade entre os moradores de Linha Azevedo de que a estiagem de 2005 só é comparável à de 1943. O agricultor Teobaldo Schuck, 90 anos, diz que só viu o arroio que passa no fundo de sua pequena propriedade secar duas vezes, uma em 1943 e outra em 2005. "Naquela vez não faltou água como agora", recordou, enquanto caminhava entre um pomar de folhas murchas e pequenas roças de milho, feijão e soja secas para mostrar as pedras do fundo do riacho sem água.

No alto de uma montanha, em Morro Gaúcho, no município de Arroio do Meio, também no Vale do Taquari, o agricultor Auri Didrich, 55 anos, lamenta ter visto as três fontes de água secarem. Ele plantou com uma pequena lavoura de subsistência de milho e feijão, já secos, e mandioca, que retomou o viço com os 50 milímetros de chuva que caíram na região domingo passado.

Em outras regiões do Estado há dramas semelhantes para contar. Em São Valentim, perto da divisa com Santa Catarina, José Pauleto, 48 anos, perdeu toda a lavoura de três hectares de milho e 60% da soja que esperava colher em cinco hectares. Sem água, desistiu também da criação de 500 galinhas caipiras. "Tenho vergonha de dizer, mas estou sobrevivendo graças a um empréstimo."

Em São Lourenço do Sul, na metade sul do Estado, Orlando Peter, 36 anos, acredita que só vai salvar 10% da lavoura de milho espalhada por seis hectares e talvez metade da safra de soja plantada em dez hectares. Como deve R$ 6 mil ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e não vai ter uma renda para a quitação, o agricultor espera uma renegociação.

O governo federal já prometeu ajuda de R$ 1,2 bilhão para os agricultores prejudicados pela estiagem. O dinheiro será destinado ao pagamento do seguro agrícola, alongamento de dívidas e antecipação de crédito para o custeio das lavouras de inverno. Mas os movimentos que representam os pequenos produtores querem auxílios em dinheiro, a fundo perdido, para sobrevivência até a colheita das culturas de inverno. Apesar de terem sido recebidos para negociações, ainda não têm um resposta para as solicitações.

A Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf) pede R$ 200 milhões dos governos federal e gaúcho para as 200 mil famílias que perderam a safra. A Via Campesina reivindica R$ 2,6 mil por família, com desconto, desse total, do valor do seguro agrícola, quando houver cobertura. E a Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetag) propõe o repasse de um salário mínimo por família, durante seis meses.

Região sul importará energia do Sudeste

REFORÇO: A região Sul começou sábado a receber um reforço extra de energia para reduzir o máximo possível a queda do nível de armazenamento de água dos reservatórios. O presidente do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Mário Santos, descartou qualquer possibilidade de racionamento na região e disse que a partir de hoje cerca de 40% do consumo de energia do Rio Grande do Sul estará sendo suprido por energia enviada da região Sudeste.

De acordo com Santos, mesmo que a seca permaneça pelos próximos 30 dias, o reforço de energia será suficiente para evitar que o atual nível de armazenamento de água nos reservatórios das hidrelétricas dos Sul caia dos atuais 39% para 22%, nível considerado de risco. "Já estamos no final do período de estiagem e adotamos todas as providências para evitar chegar a um nível crítico. A situação está sob controle", assegurou.

De acordo com o secretário de Energia, Minas e Comunicações do Rio Grande do Sul, Valdir Andres, o abastecimento de energia no Estado também será garantido por "pequenas gorduras" que estavam disponíveis e pela recuperação parcial de alguns reservatórios proporcionada pela chuva de domingo passado. Entre as "gorduras" citadas por Andrés está a usina térmica de Uruguaiana, que volta a operar graças à retomada da importação de gás argentina. A usina gerará 240 megawatts a partir do combustível fornecido pela Repsol.