Título: A teoria do cabresto
Autor: CELSO MING
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/02/2005, Economia e Negócios, p. B2

O novo presidente da Câmara dos Deputados, o pernambucano Severino Cavalcanti (PP), não esconde seu pouco estudo, o que não o impede de ter opinião formada sobre um grande número de assuntos complexos, alguns deles polêmicos, outros nem tanto. A partir das primeiras entrevistas que deu na condição de presidente da Câmara e dos registros de seus pronunciamentos na condição de deputado, ficamos sabendo que ele é contra experiências científicas com células-tronco; contra a descriminalização do aborto; "contra casamento de homem com homem e de mulher com mulher"; a favor do reajuste dos salários dos deputados federais em nada menos que 67,4%, de R$ 12.847 para R$ 21,5 mil mensais; contra a exigência de que os fazendeiros do Nordeste ofereçam instalações sanitárias para seus empregados; a favor de que os cientistas encontrem "fórmula mágica" contra a praga da banana; e é a favor de meter um cabresto no Banco Central.

Fiquemos apenas com essa coisa do cabresto. Com isso, o deputado Severino está dizendo que é contra dar autonomia operacional ao Banco Central. E por quê? Porque, na condição de líder da bancada do baixo clero, é um gastador e defensor da liberalidade de verbas públicas.

Essa característica não fica demonstrada apenas por sua defesa do megarreajuste dos salários dos deputados federais. Ele quer, também, que o Orçamento da União deixe de ser apenas propositivo, como é hoje, para ser impositivo. Apenas para quem não está habituado a esse jargão técnico, orçamento propositivo é aquele em que o governo está autorizado a gastar os recursos que constam na Lei e orçamento impositivo é aquele em que o governo está obrigado a gastar os recursos públicos tal como ficou decidido pelos políticos. Se o ano é de eleições e se na Lei do Orçamento houver uma aleluia de verbas eleitoreiras, o governo não poderá fazer outra coisa senão pegar a caneta e autorizar os depósitos. Em geral, quem defende um orçamento impositivo quer controlar o processo de decisão sobre o destino dos recursos públicos e depois gastá-los sem ser incomodado por um ministro mão-de-vaca que mantém o cofre trancado.

Quando afirma que o Banco Central não pode ter autonomia, o deputado Severino está deixando claro que, se dependesse dele, o controle da guitarra também ficaria com os políticos. Ele pretende que o poder de emitir moeda fique, em última instância, sob comando de quem estiver mandando.

Assim como a função do cabreiro é cuidar de seus cabritos, a função e a principal razão da existência de um banco central é defender a moeda contra seus predadores. Se a moeda derreter, como algumas vezes aconteceu ao longo da História, serão as bases do funcionamento da sociedade que estarão derretendo.

Quando se quer que o Banco Central do Brasil tenha autonomia operacional na sua principal função, não se está impedindo que receba ordens superiores e que preste contas do que faz. Com isso, apenas se quer evitar que o lobo tome conta do cabril. Qualquer um sabe que político adora gastança e se o funcionamento do instituto emissor de moeda ficar por conta dele, haverá um trem da alegria atrás do outro. Imagine-se o baixo clero mandando no Banco Central...

Enfim, as razões que levam o novo presidente da Câmara dos Deputados a defender a imposição de um cabresto ao Banco Central são as mesmas que levam quem esteja identificado com o interesse público a defende que o Banco Central seja, digamos, incabresteável.