Título: A um passo do novo sindicalismo
Autor: Eleno José Bezerra
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/03/2005, Espaço Aberto, p. A2

Foi com espanto que li neste mesmo espaço o ex-ministro do Trabalho e ex-presidente do TST Almir Pazzianotto, antigo advogado que trabalhava para sindicatos, atividade na qual adquiriu notoriedade, classificar o projeto de reforma sindical que está no Congresso como "autoritário, contraditório, confuso e atrasado". O ex-ministro conseguiu definir exatamente o contrário do que a reforma de fato é. A reforma sindical proposta resultou do diálogo democrático entre trabalhadores, empregadores e governo e sinaliza um enorme avanço nas relações entre capital e trabalho em nosso país. Quem, no entanto, agora toma posição contra o projeto? Os empresários conservadores, notadamente os ligados às velhas federações patronais, que vivem à custa da biliardária arrecadação paraestatal do chamado Sistema S, e os advogados do baixo clero, que vivem de explorar as imensas dificuldades do sistema judiciário, esse que demora anos para julgar uma mera ação trabalhista!

Não é, sem dúvida, o caso do ex-ministro Pazzianotto - daí o espanto a que nos referimos. Isso é muito estranho. Vamos tentar, então, entender o que se passa.

Como é possível chamar de autoritária uma reforma que resultou de 400 horas de diálogo no Fórum Nacional do Trabalho (FNT), em que todos os agentes sociais envolvidos - trabalhadores, empresários, governo - puderam expor idéias e apresentar propostas? Bastava acompanhar os trabalhos do FNT para comprovar o espetáculo de democracia: a prova de que é possível chegar ao consenso possível se o interesse público for o horizonte, e não apenas as vontades particulares desta ou daquela organização.

O objetivo maior da reforma é modernizar o sindicalismo brasileiro, tanto dos empregados quanto dos empregadores. De atrasada a reforma não tem nada. A aspiração antiga de mudar para melhor o sindicalismo partiu das próprias entidades de defesa do trabalhador. Há, sim, um problema na atual estrutura. Há sindicatos que não representam ninguém e vivem do Imposto Sindical e das contribuições, num comportamento imoral. Propor mudar isso é avanço, não é atraso.

A atual estrutura sindical vem da época de Vargas, quando pode ter representado um avanço para o Brasil daquela época, os anos 30 do século passado. Hoje em dia, com a velocidade imposta pela tecnologia, com mudanças jamais vistas em todos os setores - da cultura aos costumes, da economia ao mercado de trabalho e à política -, é fácil deduzir que tal estrutura é arcaica e ineficiente.

Com o fim do dissídio coletivo - proposta que está na reforma - ganha força o diálogo entre empresários e trabalhadores organizados em entidades fortes. Antes de entupir a Justiça do Trabalho - que, cabe sempre ressalvar, não vai ter seu papel diminuído -, que se busquem soluções pela negociação ou, se for o caso, pela intervenção de um mediador ou câmara de arbitragem. Em qualquer dos casos, as relações de trabalho se tornarão mais ágeis, mais dinâmicas e mais maduras.

Quanto ao modo de custeio das entidades sindicais, o ex-ministro reproduz argumento já várias vezes apresentado, e que vale sempre ser replicado. Diz o argumento que a cobrança de uma taxa sindical de todos os trabalhadores de determinada categoria é injusta. Bem, na proposta de reforma só duas contribuições estão previstas: uma é a mensalidade paga voluntariamente pelos sócios - sobre a qual não há polêmica, já que os benefícios oferecidos, tais como assistência médica e jurídica, estrutura de lazer e outros, são privilégio dos associados. A outra contribuição, chamada de taxa negocial, institui uma cobrança limitada a 1% da renda anual dos trabalhadores. Esse valor será estabelecido em assembléia (que tem regras claras de representatividade) e valerá para toda a categoria, sócios ou não do sindicato.

O princípio que rege essa cobrança é que grandes conquistas trazidas pelas entidades sindicais não beneficiam só os seus sócios, mas toda uma legião de trabalhadores. E que vale a pena pagar por isso. Todos os anos as campanhas salariais comandadas pelos sindicatos trazem reajustes salariais para todos, muitas vezes acima da inflação. A correção das perdas do FGTS por conta de planos econômicos - para ficar em um fato recente - foi originalmente um processo movido pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. A pressão por um salário mínimo digno, para mudanças na política econômica, a criação de agências gratuitas de intermediação de mão-de-obra e qualificação profissional, como o Centro de Solidariedade ao Trabalhador, são fatos que envolvem todos os trabalhadores, e não somente associados.

Além disso, o ex-ministro esquece de dizer que o atual sistema de contribuições é confuso, com quatro impostos (que se tornarão dois), dando margem a oportunismos e abusos. Com o novo sistema, com regras claras e propósitos específicos, ganharão os sindicatos que mostrarem serviço e transparência. Além disso, informação importante que o ex-ministro deixou de fora do seu texto, no novo sistema o trabalhador pagará menos.

É salutar para a sociedade acompanhar esse debate valioso nas páginas deste jornal. É curioso comparar as palavras do ex-ministro Pazzianotto, que acompanhou o processo de longe e pode colocar-se na cômoda posição de pedra, em vez de vidraça, com as palavras do atual ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, publicadas nesta mesma página no dia seguinte (16/3). Já no título Berzoini usa um tom bem diferente: Democracia e transparência na estrutura sindical. No tom do seu artigo, a satisfação pelo trabalho realizado até aqui e a comprovação de que o governo está satisfeito com a reforma.

Quanto aos trabalhadores, dou a garantia, como presidente do maior sindicato da América Latina, de que a proposta corresponde aos nossos anseios. A classe patronal - com exceção dos maus empresários que fogem da democracia e do diálogo com os trabalhadores - também se tem manifestado a favor da pertinência da proposta que está na Câmara dos Deputados.

A reforma sindical, garanto, é boa para todas as partes. É boa para o Brasil.

Eleno José Bezerra é

presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo

e diretor da Força Sindical