Título: Lula defende Chávez de 'difamações'
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/03/2005, Nacional, p. A9

Presidente diz que não aceita 'insinuações contra companheiros', no mesmo dia em que Bush se disse preocupado com Venezuela Imune aos alertas feitos por Washington contra ações autoritárias e antidemocráticas do governo da Venezuela, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu ontem dar um encorpado respaldo a seu aliado Hugo Chávez. Em encontro dele, de Chávez, do presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, e do primeiro-ministro da Espanha, José Luís Zapatero, em Ciudad Guayana, Lula declarou que não aceita "difamações" e "insinuações contra companheiros" e reconfirmou sua solidariedade ao líder venezuelano. Ele disparou a mensagem poucas horas depois de seu colega argentino, Néstor Kirchner, ter recebido telefonema do presidente americano, George W. Bush. Na conversa, Bush ressaltou a preocupação com a posição pouco democrática do governo venezuelano e reforçou sua opinião de que é preciso manter um diálogo com Caracas para garantir a estabilidade institucional na região.

Na corrente contrária, Lula declarou na reunião que Chávez é acusado por "pensamentos e comportamentos" que não correspondem a suas reais opiniões e relatou que seu "companheiro" havia alertado várias vezes sobre sua necessidade de ter paz para "dar ao povo venezuelano aquilo que ele espera do governo" da Venezuela. "Tem muita gente falando mal de nós pelo mundo", queixou-se Lula, referindo-se indiretamente à Casa Branca. "Quero dizer ao presidente Chávez que não tenho nenhuma dúvida em afirmar, em qualquer lugar do mundo, que não aceitamos difamações contra nossos companheiros. Não aceitamos insinuações contra nossos companheiros. Acho que a Venezuela tem o direito de ser um país soberano, de tomar suas decisões."

Anteontem, o Departamento de Estado americano divulgou o documento "Apoiando os Direitos Humanos e a Democracia", no qual chamou a atenção para a adoção de métodos cada vez mais autoritários pelo governo venezuelano. Criticou a piora nas condições de respeito aos direitos humanos, a interferência do Executivo no Judiciário e as restrições à liberdade de imprensa. O secretário de Estado adjunto para Democracia, Direitos Humanos e Trabalho, Michael Kozak, disse que Chávez mantém "mensagem muito populista" e lembrou que ele chegou ao poder em 1998, depois de tentativa de golpe de Estado 6 anos antes.

No sábado, a secretária de Estado, Condoleezza Rice, havia mencionado que os EUA e a Venezuela mantêm "laços muito fortes e relações muito sólidas" e que o governo americano não pretende ser "inimigo" de Caracas e de seus líderes. Entretanto, 3 dias antes, em Brasília, o secretário de Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld, afirmara claramente sua preocupação com o processo de reaparelhamento das Forças Armadas venezuelanas, a partir das operações de compra de 100 mil fuzis AK-47 e de helicópteros da Rússia. Segundo ele, essa iniciativa não contribuiria com a estabilidade política na América do Sul .

O tema foi retomado nas conversas de Rumsfeld com Lula e o vice-presidente e ministro da Defesa, José Alencar. Coberto pela solidariedade pública de Lula, Chávez declarou em seguida o agradecimento. "Às vezes dói, sabe? A gente vai se curando um pouco, mas continua doendo."

ATRITO

Além de atiçar a fogueira entre EUA e Venezuela, Lula remexeu num tema que havia discretamente submergido e imprimiu à reunião entre os 4 chefes de Estado, destinada a consagrar a paz entre a Colômbia e a Venezuela, um ambiente de lavanderia.

Em princípio, a reunião de Ciudad Guayana teria valor simbólico bem mais acentuado que seus resultados práticos. O objetivo seria acabar de vez com o atrito criado pela iniciativa do governo colombiano de capturar o guerrilheiro Rodrigo Granda, conhecido como chanceler das Farc, em território venezuelano, em dezembro. O ato foi repudiado por Chávez como afronta à soberania da Venezuela e o levou a barrar o comércio e o trânsito de cidadãos na fronteira entre os países. De Bogotá, Uribe acusou Chávez de dar abrigo aos terroristas e ameaçou apresentar as provas. Brasil, Cuba, Peru e Espanha contornaram a situação.