Título: Autonomia? 'Não cabe ao BC opinar'
Autor: Sheila D'Amorim
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/03/2005, Economia, p. B4

A festa para comemorar os 40 anos do Banco Central (BC), ontem, transformou-se em um ato em defesa da autonomia do aniversariante. Dos convidados estrangeiros ao ministro da Fazenda, Antonio Palocci, todos destacaram em seus discursos os benefícios e os ganhos em credibilidade para a instituição controlar a inflação, que são obtidos quando a independência é assegurada em lei. A exceção ficou com o anfitrião da festa, o presidente do BC, Henrique Meirelles, que evitou o tema em sua exposição. Após a solenidade, questionado por jornalistas, ele disse que a discussão está em andamento no Congresso "e não cabe ao BC opinar". "Aperfeiçoamentos na política monetária passam pela melhora institucional, pela independência do BC. É importante que isso esteja na legislação", afirmou o presidente do Federal Reserve de Nova York (Fed, o BC americano), Timothy Geithner. Segundo ele, esse é um modelo que ganha espaço no mundo todo e se traduz em maior credibilidade e, portanto, melhores condições para controlar a inflação. "Autonomia e mandatos para a diretoria reduzem pressões políticas sobre o BC", defendeu Malcolm Knight, gerente-geral do BIS, o Banco Central dos bancos centrais.

Knight destacou que os bancos centrais, de forma geral, estão ficando mais abertos e transparentes e citou um levantamento do organismo em 20 países para avaliar os relatórios de inflação e atas dos comitês de política monetárias divulgados. "O Brasil ficou em terceiro lugar." Para Palocci, o Congresso avançará no debate.

Entre os discursos e a realidade, no entanto, há um longo caminho a percorrer. Colocado na pauta de prioridade do governo para este ano, a autonomia do BC está em banho-maria desde que o cenário político se complicou com a derrota do governo na disputa da presidência da Câmara dos Deputados, a polêmica em torno da Medida Provisória que eleva a carga tributária (MP 232) e o esfacelamento da base governista no Congresso. Sempre que é possível, Palocci faz questão de destacar publicamente a relevância do tema, mas isso não necessariamente se traduz em atitudes concretas para abrir espaço para o assunto ser encaminhado ao Congresso.

Escolhido no início do ano para ser o principal interlocutor do Executivo com os parlamentares nesse debate, o deputado Paulo Bernardo (PT-PR), hoje, ocupa o Ministério do Planejamento e tem como principal missão - atribuída pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva - fazer deslanchar os projetos de melhoria na área de infra-estrutura, sobretudo a recuperação de estradas e ampliação da malha ferroviária.

'PENSAMENTOS IGUAIS'

O presidente do PT, José Genoino, que tentava abrir espaço dentro do partido para discutir o tema sem tantas paixões, está atualmente mais envolvido com a rearticulação política PT e da base governista. Como esse é um tema delicado no partido, não faltam opiniões contrárias.

O deputado federal e ex-ministro do Trabalho no governo Itamar Franco Walter Barelli (PT-SP) é um dos que se opõem à autonomia do BC, afirmando que a força de instituições de que o Brasil precisa não se obtém só com leis. Para ele, os últimos dez anos mostram que, "quando há uma política hegemônica, como houve no governo Fernando Henrique e está havendo neste, um BC independente é só formalidade".

A uniformidade que existe hoje no BC, avalia o deputado, é decorrente do fato que os diretores foram escolhidos por pensarem igual aos que já estavam lá. "Pensamento único não é bom, principalmente numa questão importante como a política monetária. Ter uma diretoria monolítica é acertar e errar conjuntamente", criticou.

Diante deste cenário, as defesas da autonomia feitas para uma platéia composta por funcionários, ex-diretores e dez ex-presidentes da instituição pouco efeito terão, e soaram mais como pregação para pessoas já convertidas a essa tese.