Título: Para o cardeal, Lula é um católico a seu modo
Autor: Expedito Filho, Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/04/2005, Especial, p. H4

CIDADE DO VATICANO-A fé do presidente Luiz Inácio Lula da Silva divide as opiniões dos cardeais brasileiros presentes no Vaticano. Ontem, um dia após as declarações do arcebispo do Rio, d. Eusébio Scheid, de que Lula "não é católico, mas caótico", o arcebispo de São Paulo, d. Cláudio Hummes, saiu em defesa do presidente e declarou que o considera católico. Respondendo a uma questão sobre como avaliava os comentários de d. Eusébio, d. Cláudio afirmou: "Ele (Lula) é um cristão e um católico a seu modo e ele se declara católico", disse o religioso. Para o cardeal, cotado como um dos favoritos para se tornar o próximo papa - e mais diplomata em suas declarações do que seu colega -, cada católico é "diferenciado, assim como suas práticas".

A polêmica ocorre um dia antes da chegada de Lula ao Vaticano, onde acompanhará os funerais de João Paulo II com uma comitiva brasileira. O político havia oferecido o avião presidencial para levar ambos os cardeais, mas os dois preferiram ir antes para o Vaticano.

"Eu o considero católico, normalmente", disse d. Cláudio, que ontem chegou a Roma para os funerais. Ele ainda lembrou que conhece Lula desde que o presidente começou a construir sua vida política na militância sindical - d. Cláudio foi bispo de Santo André, no ABC paulista, exatamente no período das greves operárias no final dos anos 1970.

CRÍTICAS

Anteontem, ao desembarcar no aeroporto de Roma, d. Eusébio não poupou críticas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e disse que, por seu passado operário, "com todas as confusões" que o meio oferecia, a fé de Lula não era cultivada. "Ele e o Espírito Santo não se entendem", disse. E completou: "Você acha que ele (Lula) sabe o que é o Espírito Santo?"

D. Eusébio, durante a entrevista, citou decisões do governo que considera impróprias para um presidente católico. Ele cita a questão do aborto, acusando o PT de apoiar a prática. Atualmente, o governo discute a interrupção da gravidez em casos de anencefalia, quando o feto não tem cérebro.

O arcebispo do Rio também criticou um suposto apoio declarado do presidente ao movimento gay e comentou uma falta de assessoria religiosa - o papa João Paulo II era um fervoroso opositor ao homossexualismo.

Hoje, d. Eusébio emitiu uma nota de esclarecimento sobre suas declarações feitas no dia anterior . Na nota, distribuída aos jornalistas em Roma, o arcebispo do Rio não nega que considera o presidente brasileiro "confuso e ambíguo (caótico)" em relação à fé, moral e ética da Igreja. Segundo essa versão do texto, d. Eusébio aponta que Lula não é "suficientemente católico". (leia a íntegra acima, ao lado)

Enquanto isso, no Rio, outra nota era emitida pelo cardeal e não incluía essas considerações. Apenas afirmava que suas declarações haviam sido dadas em um "ambiente impróprio". Ele também garante que não desrespeitou nenhuma autoridade e admite que não deveria ter reagido quando perguntado sobre o presidente.

DOIS LADOS

A nota distribuída em Roma por d. Eusébio foi colocada em um mural do Colégio Pio Brasileiro, onde os religiosos ficarão hospedados até o fim do conclave no Vaticano, quando o nome do novo papa será decidido.

Ontem, os dois cardeais brasileiros, d. Cláudio e d. Eusébio, se encontraram em Roma. As diferenças de opinião ficaram claras.

Durante o encontro informal, d. Cláudio demonstrou como sua avaliação do presidente e sua fé difere da de seu colega. "Lula é um homem que se declara e se considera católico. Ele tem comungado mais vezes comigo, sobretudo no dia 1º de maio. Para mim, ele é tão católico como todos os outros católicos do Brasil", disse o arcebispo de São Paulo, sentado em frente a d. Eusébio, durante um jantar no Colégio Pio Brasileiro. Enquanto d. Cláudio dava essas declarações à imprensa, do outro lado da mesa d. Eusébio, irritado, queixava-se dos jornalistas.