Título: Petistas estão amuados, chateados, frustrados
Autor: João Domingos
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/04/2005, Nacional, p. A4

"Deixe em paz meu coração, que ele é um pote até aqui de mágoa. E qualquer desatenção, faça não. Pode ser a gota d'água". Esses versos da música Gota d'água, de Chico Buarque, podem resumir o estado de espírito que tomou conta do governo. De um lado, um ministro amuado, José Dirceu; de outro, um político chateado, o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha; na outra ponta, uma base de apoio frustrada com a reforma ministerial. Para o deputado Ricardo Zarattini (PT-SP), um dos políticos mais próximos a José Dirceu, o ministro-chefe da Casa Civil está emburrado porque viu ruir seu sonho de fazer um governo de coalizão. "Por meios um pouco diferentes, o que Dirceu e o ministro Aldo Rebelo (Coordenação Política) queriam era um governo aberto aos partidos aliados. E não conseguiram", diz Zarattini. Para um ministro que sempre está com Dirceu, ele faz um pouco de teatro, mas não sairá do governo, como chegou a ser falado.

A confusão que envolve os principais ministros do PT, nomes importantes como o de João Paulo e do líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), e a base aliada, tem origem em dois fatores, de acordo com políticos ligados ao presidente Lula: a frustrada reforma ministerial, que para Dirceu representou um desgaste imenso, pois dedicou-se a ela, negociou nomes e depois nada foi feito; e a antecipação do debate sucessório, tanto da reeleição de Lula quanto dos governos estaduais.

Por causa da disputa no PT pela candidatura ao governo de São Paulo no ano que vem, João Paulo e Mercadante quase saíram no braço há cerca de duas semanas. Um acusa o outro a toda hora. João Paulo tem se sentido desprestigiado e não esconde seu ressentimento com Lula, que teria preferências pelo líder no Senado. Para se fortalecer, João Paulo tenta se aproximar da ex-prefeita Marta Suplicy, terceiro nome na disputa para concorrer ao governo.

A situação chegou a tal ponto que o presidente do PT, José Genoino, quer dar um basta. "É preciso sair do tensionamento pré-eleitoral. Não é bom para quem governa", diz ele. "O PT não deve precipitar nos Estados o debate sucessório. Isso deve ser feito somente depois do encontro nacional, em dezembro."

Como parece não haver nada que resolva a tensão em São Paulo, Genoino tentará fazer com que os três candidatos recolham suas armas pelo menos por enquanto. "Nem o PT nem o governo podem ficar reféns da escolha em São Paulo. Temos de ser cautelosos e conduzir o processo em baixa temperatura, não precipitar a disputa, trabalhar com a idéia de acordo", recomenda Genoino. "O PT nesse momento tem de capitalizar e defender as ações do governo Lula, viabilizar as prefeituras que administra e preparar discretamente os acordos da eleição do ano que vem", afirma o presidente do partido.