Título: Quanto mais perto da morte, maior o custo
Autor: Adriana Dias Lopes
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/04/2005, Vida &, p. A21

Qual é o preço que se paga para viver? Em tese, como se diz no anúncio muito conhecido, não tem preço. A história da americana Terri Schiavo, morta na quinta-feira num hospital para doentes terminais, após ter sido mantida 15 anos em estado vegetativo - sendo os últimos 13 dias sem ser alimentada -, que o diga. Em nenhum momento esteve em questão, no caso Terri, os milhares de dólares necessários para mantê-la viva. Mas a resposta objetiva à pergunta é: quanto mais perto do fim da vida, mais alto é o gasto. Foi o que provou matematicamente o médico especialista em economia da saúde Marcos Bosi Ferraz, do Centro Paulista de Economia da Saúde da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Durante três anos, ele trabalhou com números referentes aos quatro anos que antecederam a morte de 274 clientes de um plano de saúde - a operadora não pode ser revelada por conta de normas contratuais. Mas a conclusão foi de que 72% dos gastos ocorreram no último ano de vida, metade nos últimos quatro meses. Antes disso, os custos eram de 0,5%.

Ferraz analisou 28.467 registros de faturas de diferentes serviços prestados pela operadora. Foram checados todos os custos dessa operadora com os clientes em seus últimos três anos de vida. O tipo de plano analisado foi o de cobertura completa (ambulatorial, hospitalar e exames). Os maiores gastos (84,07%) foram com internações (veja quadro abaixo).

"A maior importância desse resultado é que ele prova que é melhor o investimento em ações como prevenção, tratamento paliativo ou home care (internação em domicílio)", analisa Ferraz. "Não existe ainda um cálculo para saber quanto seria a economia se o investimento nessas áreas fosse maior, mas, certamente, elas custam menos para todas as partes."

PALIATIVO

O oncologista Císio Brandão, do Hospital do Câncer, em São Paulo, tem um número para provar que o tratamento paliativo, com objetivo de aliviar os sintomas da doença - e não curar - reduz os custos hospitalares. "Temos cerca de 200 pacientes por mês em tratamento paliativo. Nos últimos meses, só um foi para UTI", conta Brandão. "Se eles não tivessem aceitado o tratamento paliativo, estariam ocupando leitos e sofrendo desnecessariamente."

A freira gaúcha Ivani Nicaretta é uma delas. Em novembro de 2003, fez uma cirurgia no ovário por conta de um tumor. Na operação, descobriu-se que ela tinha metástase no estômago. A partir de então, seu corpo foi enfraquecendo cada vez mais com sessões de radioterapia e de quimioterapia. "No fim do ano passado, os médicos me disseram que as sessões não iam fazer mais efeito. Entendi que esse era o aviso de que não havia mais nada para fazer", lembra ela. "Eu estava péssima, não comia nada fazia dez dias."

O Hospital do Câncer tem um dos melhores centros de cuidados paliativos do País. Uma equipe multidisciplinar cuida daqueles pacientes que não podem mais ter tratamentos de cura. Ivani é paciente do hospital. No mesmo dia em que recebeu a notícia dos médicos de que o tratamento não ia mais combater o câncer, a freira recebeu a visita do médico Brandão. "Jamais vou me esquecer da primeira pergunta que ele me fez: se eu queria comer. Disse que sim. Sabe o que ele me respondeu? Que eu ia, então, tomar milk-shake", conta Ivani.

"Damos vida aos dias do paciente. E não o contrário", diz Brandão. "Acredito que, quando existe chance de cura, vale tudo na medicina, efeitos colaterais, dor, tudo. Mas, quando não há cura, o tratamento tem de ser focado no alívio dos sintomas e no conforto do paciente."

Luiz Tadeu é outro exemplo. Com câncer generalizado, recebeu a indicação médica de pescar há duas semanas. O que não significa que os pacientes que recebam tratamentos paliativos não recebam cuidados terapêuticos. Ivani, por exemplo, faz quimioterapia. O objetivo, no entanto, é aliviar sintomas do câncer. Não curá-lo. Para isso, ela é muito menos agressiva.

Há cerca de 30 grupos de tratamentos paliativos no País ligados a hospitais, 10 deles com equipes multidisciplinares. Em São Paulo, a Secretaria de Estado da Saúde tem serviço de cuidados paliativos no Sistema Único de Saúde (SUS). Um deles é no Instituto de Infectologia Emílio Ribas, que atende doentes de aids em fase terminal.

Outro é no Hospital do Servidor Público Estadual. Além dos cuidados paliativos, a equipe do Servidor ensina e incentiva a família a lidar com o doente em casa. De acordo com a Secretaria de Saúde, em dois anos, 1.026 pacientes em fase terminal já foram atendidos em domicílio. Desses, 370 precisaram ser internados.

DESOSPITALIZAÇÃO

A tarefa de levar um paciente para casa não é tão simples, no entanto. "O avanço tecnológico faz que muitos médicos exagerem na terapia hospitalar, mas a responsabilidade disso não é só do profissional", diz Marco Segre, da Comissão de Bioética do Hospital das Clínicas e professor emérito de bioética da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). "De um lado, ganha-se dinheiro com internações em UTI, mas acredito que exista muita família que prefira, pelos mais variados motivos, manter o parente até o último momento no hospital."

"A tendência na medicina é de desospitalização, mas a família do paciente fica mais segura quando o doente está no hospital", analisa o vice-presidente do Hospital Albert Einstein, Elies Knobel, em São Paulo, que dirigiu a UTI do hospital por 32 anos.

De acordo com Knobel, o Einstein incentiva o home care. "Não existe lugar melhor para o paciente do que estar em casa, usar o próprio banheiro, olhar o teto do próprio quarto", diz o médico. "Para a família, é outra história. Um doente em casa mexe com tudo." O colega Octávio Castello complementa: "O médico precisa sempre ouvir em primeiro lugar o paciente. Quando não há chance, ouvir o que a família quer, saber o que ela pode suportar, mesmo se ele sabe que o paciente tem condições de ir para casa."

A empresária Rosa Souto decidiu tirar o marido do hospital há três anos. Em 2002, Ubaldo sofreu um derrame cerebral e ficou apenas com os movimentos dos olhos. Depois de duas cirurgias e 40 dias de internação no hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, os médicos lhe disseram que a situação do marido era estável e, se ela quisesse, poderia levá-lo para casa. "Nunca me pressionaram. A única coisa que aconteceu foi que a equipe de home care do meu plano começou a me procurar", lembra. "Estava assustada. Metade dos meus amigos e parentes me dizia que devia deixar o Ubaldo no hospital e metade me dizia para fazer exatamente o contrário. Levei 20 dias para decidir o que fazer." De acordo com Rosa, o mais estranho é se acostumar com pessoas estranhas em casa. A equipe que acompanha Ubaldo tem sete profissionais.

Um home care custa, em média, a metade para os planos de saúde. A operadora de Rosa, uma cooperativa, manda mensalmente um boleto para os clientes com todas as despesas. "Quando ele estava no hospital, eram R$ 50 mil e hoje sei que eles gastam R$ 25 mil", conta. "Independentemente de qualquer coisa, não me arrependo de ter trazido Ubaldo para cá. Não tem preço vê-lo em casa. Estou segura de que há momentos em que ele sabe que está em casa."