Título: China e Japão: tão perto e tão distantes
Autor: Andy Xie
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/04/2005, Economia, p. B6

HONG KONG - A maior integração econômica com a China e, por outro lado, a divergência política mais profunda são a tendência dominante no Japão. A firme correlação entre os JGBs (títulos do governo japonês, na sigla em inglês) e os títulos do Tesouro americano indica o forte desejo do Japão de se integrar financeiramente com os EUA e é coerente com os passos recentes de Tóquio para aprofundar a aliança militar com Washington. Apesar das claras inconsistências nos diferentes aspectos da relação China-Japão, não parece haver nenhuma solução à vista. A parceria provavelmente se arrastará apoiada em interesses econômicos mútuos e a certa altura atingirá uma crise. Os líderes de ambos os lados podem reagir a tal crise com ponderação e apoiar a relação bilateral numa base mais estável. De outro lado, uma crise pode tirar a relação de controle.

As atitudes dos dois países, um em relação ao outro, são tão distanciadas que um único ato (por exemplo, Koizumi parar de visitar o santuário de Yasukuni) dificilmente evitará o afastamento, apesar da maior integração econômica entre a China e o Japão. A visão popular é de que a tensão no Estreito de Taiwan é o maior risco de segurança no nordeste da Ásia. Penso que a deterioração da relação entre a China e o Japão é um risco maior.

Visitei investidores japoneses durante três dias e notei um continuado entusiasmo com a China. Os investidores japoneses tendem a enxergar a situação da China pelo prisma do passado do Japão. As distinções entre as tendências secular e cíclica freqüentemente estavam perdidas em Tóquio, talvez uma razão pela qual os japoneses estão atrasados num dado ciclo.

Felizmente, neste ciclo, os investidores japoneses chegaram à China cedo. Quando as ofertas públicas iniciais chinesas (por exemplo, Banco da China, Hong Kong & China Telecom) foram mal acolhidas em 2002, os investidores japoneses compraram e, daí em diante, dobraram seu dinheiro. Embora tenham posto dinheiro em ações chinesas na alta no início de 2004, provavelmente ainda têm retornos positivos.

A Índia substituiu a China como a última moda no setor financeiro de Tóquio. As instituições financeiras japonesas despejaram fundos para a Índia neste ano. Infelizmente, o mercado da Índia tem tido um desempenho fraco. O investimento do Japão em mercados emergentes é bastante excêntrico.

A grande mídia dirige o sentimento individual. Quando jornais ou revistas internacionais se concentram numa história, normalmente é bem tarde. Tais histórias na mídia têm impacto desproporcional sobre os investidores individuais japoneses e contribuem enormemente para torná-los um pouco mais pobres a cada ciclo.

O dinheiro em grande escala do Japão está nos EUA. A recente correção no mercado de títulos do Tesouro dos EUA causou consternação em Tóquio.

O comportamento dos compradores japoneses de títulos dos EUA parece ser guiado pela diferença de rentabilidade entre estes e os JGBs. A deflação continuada está forçando o Banco do Japão a manter a política monetária excepcionalmente relaxada, o que provavelmente encorajará a compra continuada de títulos dos EUA por investidores institucionais japoneses. Esta força pode limitar o aumento da rentabilidade dos títulos dos EUA e complica a política monetária do Federal Reserve (Fed, o banco central americano).

A perda potencial do Japão em mercados emergentes é pequena em relação à riqueza do país, e por isso não é uma grande preocupação. Além disso, o investimento em mercados emergentes é excêntrico na Europa e também nos EUA. A relação problemática entre a China e o Japão, no entanto, preocupa-me bastante. Em minha última visita, em setembro, notei a dicotomia entre as relações econômica e política dos dois países. A relação piorou. A meu ver, ela pode desestabilizar o leste da Ásia.

PARCEIROS NATURAIS

Escrevi uma coluna para o Financial Times, em junho de 2001, afirmando que a China e o Japão são parceiros econômicos naturais. Na época, havia temores no Japão de que os chineses roubassem empregos dos japoneses graças às vantagens de custo da China. Eu acreditava que a combinação das tecnologias do Japão com o baixo custo da mão-de-obra da China poderiam levar a uma situação em que todos ganhassem ao criar um contexto maior.

Outra vantagem dessa troca era que a envelhecida população japonesa reduziria ao mínimo a pressão sobre o emprego no Japão resultante de sua integração econômica com a China.

Os eventos parecem apoiar esta hipótese de um desfecho da integração China-Japão em que todos ganham. O Japão enviou uma grande parte de suas linhas de montagem finais para a China, o que aumentou a competitividade japonesa no mercado dos EUA. A indústria de equipamentos do Japão foi enormemente beneficiada pela rápida industrialização da China. As importações da China baixaram o custo de vida para uma população envelhecida, que enfrenta o crescimento lento da renda e pode melhorar os padrões de vida principalmente por meio de uma redução de custo de vida relacionada ao comércio.

A meu ver, a integração com a China foi o principal fator a recuperar o Japão depois da crise financeira asiática. O won coreano se desvalorizou 30% em relação ao iene durante a crise, causando enorme pressão no setor de manufatura do Japão. A integração com a China equilibrou o campo ao baixar os custos de produção para os produtos japoneses.

O benefício dos produtos chineses baratos na redução do custo de vida também é evidente. Produtos alimentares e domésticos baratos importados da China são um fator significativo para o alívio das famílias de rendas baixa e média. Mesmo que a renda nominal esteja estagnada, o padrão de vida do Japão ainda está subindo.

O argumento econômico em favor da maior integração permanece forte. A China responde hoje por um quinto do comércio total do Japão, comparado com 12,4% em 1999 e 11% em 1994. Dentro de uma década, essa proporção poderá ser de um terço - o que seria justificado pela proximidade e pelos tamanhos relativos dos dois países. O futuro econômico da relação bilateral parece promissor.

Mas a relação política se deteriora ainda mais. Como a tensão sobre a interpretação do passado permanece alta, as disputas territoriais entre a China e o Japão também esquentam. A China e o Japão têm reivindicações de soberania concorrentes sobre muitas ilhas no Mar do Leste da China. Os dois governos adotaram uma atitude flexível nos anos 80 e essencialmente engavetaram a disputa de soberania, buscando áreas onde os países pudessem levar adiante sua relação. Sem essa abordagem pragmática, a íntima relação econômica de hoje não teria sido possível.

O âmago da atual relação difícil entre as duas nações diz respeito ao passado. O Japão parece acreditar que lidou adequadamente com suas invasões passadas de países asiáticos, por meio da ajuda ao desenvolvimento e de pedidos de desculpas de tempos em tempos. A China acredita que o Japão está encobrindo a história e esperando que, com o passar do tempo, Pequim esquecerá. As interpretações divergentes das visitas do primeiro-ministro Koizumi ao santuário de Yasukuni exemplificam a diferença de percepção. Os japoneses acreditam que, segundo suas tradições, têm o direito de lembrar seus mortos, mesmo que sejam criminosos de guerra condenados. Os chineses vêem essas visitas como tentativas de apagar o passado e acreditam que esse comportamento é o mesmo que aceitar a versão japonesa da História.

A meu ver, surgiram padrões globais no que diz respeito à vida e à dignidade humanas. Eles derivam em grande parte das principais religiões. O progresso material sem uma âncora moral é altamente perigoso e não vai durar. O Leste da Ásia é ambíguo numa série de aspectos dos valores humanos fundamentais. Isto pode levar a grandes conflitos.

A disputa entre a China e o Japão foi além das questões históricas. A concorrência pela soberania sobre algumas ilhas no Mar do Leste da China se intensificou. A China tem pesquisado a região para a potencial exploração de recursos energéticos. O Japão tem tomado iniciativas para assegurar o controle físico de determinadas ilhas. Isto é perigoso. Como o sentimento popular já é de ansiedade, um confronto acidental poderia rapidamente se transformar num conflito sério. Mais que a tensão no Estreito de Taiwan, esta é, a meu ver, a questão mais perigosa no Leste da Ásia.

FUTURO INCERTO

A China está se modernizando. Isso acontece, intermitentemente, há mais de um século. Nos últimos 25 anos, a modernização foi uma linha reta ascendente, porque Deng Xiaoping vislumbrou o equilíbrio certo para a sociedade chinesa e criou as bases para hoje. A China poderá enfrentar muitas dificuldades no futuro. Problemas estruturais poderão levar a economia à recessão ou à estagnação. No entanto, como o povo chinês agora concorda sobre a modernização, o país sempre vai se recuperar depois de um revés. Não importa realmente, de um ponto de vista histórico, se a China vai se modernizar em 20, 30, 40 ou até mesmo 50 anos. O equilíbrio no final será o mesmo: a China vai se tornar, de longe, a maior economia do mundo. Em paridade de poder de compra, o PIB da China já passa de US$ 8 trilhões (o dobro do japonês) e deverá superar o dos EUA em apenas uma década.

O papel dos EUA é, obviamente, essencial nesse aspecto. Alguns observadores acreditam que é do maior interesse dos EUA levar a China e o Japão a uma corrida armamentista. Em minha opinião, isto é falta de visão. O interesse mais importante dos EUA na China é garantir que o país se torne uma economia moderna com valores modernos e compartilhe o ônus de manter a paz mundial. Se a China acreditar que os EUA e o Japão estão dispostos a contê-la, os chineses acabarão se ressentindo das atuais potências.