Título: Propaganda em escala epidêmica
Autor: Daniel Hessel Teich
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/04/2005, Economia, p. B11

A situação não poderia ser mais bizarra: um sujeito vestido de galinha em uma sala, olhando para uma webcam, bem no meio da tela de computador. Embaixo da imagem, uma lacuna onde o se digita em inglês tarefas que a galinha deve cumprir - durma (sleep) ou faça ioga (do yoga). O homem fantasiado cumpre as tarefas das formas mais esdrúxulas possíveis. Em resumo, é assim que funciona o site Subservient Chicken (Galinha Submissa), www.subservientchicken.com, uma das mais bem-sucedidas campanhas de marketing já feitas nos Estados Unidos. Embora pareça brincadeira, a Galinha Submissa é uma peça de propaganda do Burger King, a segunda maior rede de lanchonetes do mundo. Quem vê pela primeira vez, mal repara que se trata de publicidade. O logotipo da rede aparece de forma bastante discreta, antes do frango entrar no ar. Com mais destaque, aparece o comando "envie para um amigo", este sim, o grande responsável pelo sucesso do site. Desde que foi criado no primeiro semestre do ano passado, o site da Galinha Submissa já foi acessado mais de 385 milhões de vezes.

A Galinha Submissa é o melhor exemplo de uma nova estratégia de propaganda chamada de marketing viral ou de epidemia. O conceito é simples: difundir campanhas pela internet e fazer com que os próprios usuários se encarreguem de propagá-las, enviando para parentes e conhecidos.

É como um boca-a-boca eletrônico, que normalmente dispensa outro tipo de veiculação. Daí a comparação com uma epidemia, na qual o contágio se multiplica em escala geométrica. Por enquanto, esse tipo de abordagem mercadológica tem sido um sucesso. A agência que criou a galinha para o Burger King, a Crispin Porter+Bogulski (CP+B), de Miami, até então de pequeno porte, despontou na primeira divisão das agências de publicidade nos EUA e viu seu faturamento multiplicar por 10. O impacto da campanha é difícil de medir em números, mas o Burger King ficou tão satisfeito que veiculou outras duas campanhas bombásticas pela CP+B.

No Brasil, marcas poderosas como Motorola, Antarctica, Pepsi, Renault , Volkswagen, IBM e Orloff já aderiram. "O desafio é fazer campanhas que tenham impacto, sejam divertidas, que motivem uma pessoa a mandar para a outra", explica Miguel Genovese, redator da OgilvyOne, divisão da agência de publicidade Ogilvy para internet. A Motorola tem pelo menos quatro campanhas diferentes para seus celulares, nas quais os internautas podem criar convites virtuais para festas ou montar filmes curtos para mandar para os amigos. "Começamos esse tipo de estratégia no Brasil no fim de 2004. Hoje, unidades da Motorola na Europa e da América Latina estão fazendo campanhas inspiradas nas nossas", diz Fernando Ambrosio, gerente de marca da empresa.

RISCO

Fazer marketing viral não se resume a montar um site e convidar as pessoas a propagandeá-lo por aí. É preciso, antes de mais nada, atrair consumidores e estimulá-los a passar a mensagem. É preciso dosar o conteúdo comercial da campanha.

Anúncios muito explícitos vão direto para a lixeira eletrônica, rotulados como "spams", e-mails de origem duvidosa que infernizam os internautas. Este é o motivo que leva as marcas a aparecer muito pouco nas peças. Daí a importância de convencer um amigo a enviá-las a outro. A mensagem passa a ser confiável.

A idéia é vincular o produto ou imagem da empresa ao bom humor e criatividade, para que o internauta seja motivado a distribuir a campanha. "As peças devem beirar o surreal, algo que leve as pessoas a pensar: 'Não acredito que esta empresa esteja fazendo isso'", diz Sérgio Mugnaini, diretor de criação para internet da agência de publicidade AlmapBBDO.

No fim do ano passado, a Antarctica transformou seu website no clube dos Bebedores Oficiais de Antarctica (B.O.A.). Num dos comercias de TV feitos para a temporada de verão, a atriz Juliana Paes, convidava os consumidores da cerveja a visitarem o site.

Lá, é possível se credenciar, com direito a carteirinha e ganhar foto no cadastro - a cada dia um bebedor é escolhido e sua foto fica estampada no site. Pode-se baixar e enviar para amigos o hino da agremiação virtual, em formato MP3. "Desde que criamos o site, já temos 62 mil associados no B.O.A.", diz Andrea Fernandes, gerente de marketing da marca Antarctica na AmBev.

Um dos primeiros teóricos do marketing a comparar a propagação de novas idéias à eclosão de uma epidemia foi o jornalista canadense Malcolm Gladwell, hoje um dos mais influentes gurus da área de negócios no mundo. Há cinco anos, ele contou no livro O Ponto de Desequilíbrio (Editora Rocco) como novas modas e epidemias seguem os mesmos princípios de propagação.

"Ambas são altamente contagiosas, começam de forma reduzida, produzem grande impacto e não ocorrem de forma gradual. Simplesmente explodem de repente", escreveu Gladwell. É exatamente este o sonho dos publicitários e homens de marketing de hoje. Eles apostam no marketing epidêmico como forma barata e eficaz de turbinar os produtos e alavancar o prestígio da empresa.