Título: 'Eu sou unha e carne com o Palocci'
Autor: Vera Rosa Tânia Monteiro
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/04/2005, Nacional, p. A4

Lula ressalta ligação política e ideológica com ministro, em quem diz ter total confiança

Mesmo demonstrando insatisfação com os juros altos, hoje em 19,5%, o presidente Lula não só defendeu como fez uma série de elogios ao ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Não foi só: disse ter confiança a toda prova no comandante da economia. "Tenho pelo companheiro Palocci o mais profundo respeito, uma ligação política, ideológica de quase 30 anos. Eu e o Palocci somos unha e carne", definiu.

Lula disse estar estudando, em conjunto com Palocci e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, uma alternativa para que as taxas de juros fiquem mais baixas. Não quis contar do que se tratava, sob a alegação de que, em economia, é preciso segredo.

Para justificar a boca fechada, citou até o deputado Ulysses Guimarães, ex-presidente do PMDB, morto em 1992. "Uma vez eu ouvi de um homem mais sábio do que eu a seguinte frase: 'Lula, nem tudo que você pode fazer na economia você pode avisar antes, porque se avisar não faz'", lembrou o presidente.

E a autonomia do Banco Central: vem ou não?, perguntou um repórter. Lula foi evasivo: disse que a teoria na prática é outra. "Não faço disso uma profissão de fé e tampouco uma questão ideológica." Com autonomia ou não, ele insistiu em que é preciso trabalhar para que os juros não sejam o único instrumento a segurar a demanda. "Além de termos de garantir que o Brasil continue crescendo, temos de garantir também que a inflação não volte, porque, se ela chegar em dois dígitos, ninguém segura", admitiu.

No discurso contra os juros altos, ele recordou até mesmo sua campanha eleitoral, em 2002. "Uma das razões pelas quais convidei o Alencar para ser meu vice foi o discurso que ele fazia contra os juros", afirmou lula, numa referência ao vice-presidente e ministro da Defesa, José Alencar, que assistia à entrevista coletiva, sentado atrás do púlpito. Em seguida, num gesto de cumplicidade, virou-se para trás e sorriu.

Ao lembrar que Alencar é empresário, Lula disse que a posição do companheiro de chapa era muito importante na campanha. "Se fosse eu, como metalúrgico, todo mundo falaria: 'Nossa, mas esse metalúrgico é muito radical, muito sectário!'" Hoje, as críticas de Alencar, que não se cansa de repetir que os juros altos inibem o crescimento da economia, causam constrangimento no governo.

Lula, porém, não tocou nas divergências. "Eu não estou querendo construir um Brasil para mim. Eu não quero que o Brasil tenha mais aquele modelo econômico 'pulo de galinha'", afirmou.

Orientado pel o publicitário Duda Mendonça na véspera, o presidente também tentou explicar a afirmação sobre "levantar o traseiro", que tantas reações provocou. "Só vamos mudar isso (taxa de juros alta) à medida que o povo começar a agir com mais cobrança. O governo pode brigar para fazer, pode mandar projeto de lei, mas a sociedade, por si só, pode ir reeducando o sistema financeiro para entender que somos um país capitalista, que precisamos ter dinheiro em circulação."