Título: Investidor teme gasto público em 2006
Autor: João Caminoto
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/04/2005, Economia, p. B6

A agência de classificação de risco Standard & Poor's alertou que a aproximação da eleição presidencial de 2006 no Brasil poderá aumentar as incertezas entre os investidores com o desempenho fiscal do governo. A diretora da agência, Lisa Schineller, observou, ao Estado, que esse risco potencial não será gerado pelo provável resultado da eleição, como ocorreu em 2002, mas pelo temor de elevação de gastos públicos em períodos que antecedem as eleições, principalmente se forem muito disputadas. "Diante do recente debate sobre a política fiscal do Brasil, ela será monitorada com atenção e questionada pelos mercados até a eleição", disse Schineller, que participa da reunião anual do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Ela indicou que esse fator também será relevante para a S&P, "No nosso caso, o atual rating concedido ao Brasil presume a continuidade da adoção de uma política fiscal prudente e ponto final."

A diretora observou que o período pré-eleitoral provavelmente coincidirá com a mudança no cenário externo, "de muito benigno para os emergentes" para um nível mais normal. "Os investidores vão se tornar mais seletivos e poderão conferir maior relevância ao gerenciamento fiscal brasileiro", disse. Segundo a analista, apesar de a política econômica do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter o apoio dos mercados e recuperado a confiança no País, qualquer sinal que indique um desvio de rota poderá ter um efeito negativo.

Para Lisa, o fato de vários países latino-americanos terem eleições em 2006 (entre eles, México, Equador, Peru, Colômbia e Venezuela) será também um elemento potencial de nervosismo caso os resultados indiquem mais instabilidade na região.

Segundo ela, o "barulho político" no Brasil vem aumentando gradualmente desde 2004. "O PSDB não apoiou a proposta de salário mínimo do governo, o que foi uma decisão essencialmente política, José Serra ganhou as eleições em São Paulo, dentro do PT continuaram emergindo críticas a Lula e mais recentemente tivemos a derrota do governo na eleição na Câmara dos Deputados", lembrou. "Isso tudo mostra que o embate político está em andamento e surpresas nesse campo não podem nunca ser descartadas."

Lisa afirmou que uma melhora da nota soberana conferida ao Brasil (atualmente em BB-) seria possível neste ano se o País "gerar surpresas" positivas. "O governo poderia, por exemplo, surpreender positivamente no campo das reformas, como no setor de Previdência Social ou concedendo a autonomia ao Banco Central", explicou. "Isso também mostraria um fortalecimento da base de apoio do governo no Congresso." Lisa disse que a avaliação do País se beneficiaria também com um desempenho fiscal melhor do que o esperado.

A diretora-gerente da S&P para a América Latina, Jane Eddy, que também participa do encontro do BID, ressaltou a importância de uma queda na relação entre a dívida e o PIB. "Mas essa melhora teria de ser sustentável, não só pontual." Segundo ela, um resultado nas contas externas "mais forte do que o antecipado", como está sendo indicado pela força das exportações, é um fator positivo.

Lisa lembrou, no entanto, que a classificação soberana do Brasil, após ser elevada no passada, está com a "perspectiva estável", ou seja, indica a manutenção dessa nota nos próximos dois anos. "Mas se o governo surpreender positivamente nos próximos meses, é óbvio que isso seria levado em consideração, pois teria um impacto positivo sobre a qualidade de crédito do País."

Lisa afirmou também que a meta de superávit primário estabelecida pelo governo neste ano, de 4,25% do PIB, é suficiente para manter a relação entre a dívida e o PIB num nível estável, com uma ligeira tendência de queda.

Segundo ela, a gestão fiscal do Brasil há muito tempo oferece pouco espaço de manobra por causa dos gastos com a previdência e o funcionalismo público. "Essas limitações que não vêm de hoje, mas sem dúvida um superávit primário maior aceleraria o processo de melhora da qualidade do crédito do país", afirmou. "O Brasil poderia aproveitar a janela de oportunidade oferecida pelos mercados externos antes que ela seja revertida."

Lisa observou ainda que países como Rússia e Turquia atingiram superávits primários superiores a 7% do PIB com um grande sacrifício, mas também aceleraram o processo de melhora de suas avaliações de risco. "Não vemos condições de o Brasil obter um superávit dessa magnitude, mas uma melhora, mesmo que pequena, seria bem recebida", disse. "A exemplo do que ocorreu no ano passado, o governo poderá surpreender positivamente nesse lado, vamos aguardar."

Segundo a diretora, o ciclo de aperto monetário está próximo do fim. Ela, no entanto, disse que os recentes indicadores que apontaram uma produção industrial abaixo da esperada pelo mercado devem se encarados com cautela. "Trata-se apenas de um indicador e é preciso esperar por mais números para se poder ter uma avaliação mais precisa".