Título: Kirchner é contra elevar status do Brasil na ONU
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/04/2005, Nacional, p. A11

O governo do presidente Néstor Kirchner anunciou uma dura posição contra a eventual decisão da Organização das Nações Unidas (ONU) em criar uma cadeira para um membro permanente no Conselho de Segurança (CS), uma velha proposta brasileira. Em um comunicado emitido ontem, o Palácio San Martín, sede da chancelaria argentina, o governo Kirchner indicou que um eventual posto permanente criaria "um fator adicional de instabilidade na região". O comunicado, baseado em uma conferência do vice-chanceler Jorge Taiana, indica que essa cadeira "alteraria de forma desnecessária os equilíbrios regionais ao estabelecer hegemonias que hoje em dia não existem".

Sem especificar quais seriam as "instabilidades" e as "hegemonias" criadas, o comunicado também alerta para o risco de que a criação de uma cadeira permanente no CS da ONU implicaria provocar o surgimento de uma reforma nesse sistema que seria "injusta" e "desigual".

Segundo o vice-chanceler Taiana, a ONU não deveria sacrificar a "legitimidade e o consenso em nome de interesses individuais".

As referências aos interesses "individuais" foram interpretadas no âmbito diplomático e político em Buenos Aires como um recado direto contra as aspirações do Brasil em estabelecer uma nova cadeira permanente no Conselho de Segurança. "Não acreditamos que incorporar novos membros privilegiados corrigirá a discriminação ou melhorará a legitimidade do Conselho", afirmou Taiana.

A costumeira proposta da Casa Rosada, o palácio presidencial, é a designação de um representante "rotativo" da América do Sul para a cadeira do CS. Isso implicaria, com determinada periodicidade, a possibilidade de diversos países da região ocuparem alternadamente o posto, colocando-os em posição de igualdade perante integrantes permanentes do Conselho, denominados os "Cinco Grandes": Estados Unidos, Rússia, Grã-Bretanha, França e China.

Desde que surgiu a discussão sobre a criação de um posto permanente adicional no CS da ONU, nos anos 90, a Argentina realizou uma intensa campanha contra o Brasil. O primeiro a deflagrar uma campanha foi o ex-presidente Carlos Menem (1989-99). Na procura desesperada de conseguir status militar que a Argentina havia perdido com a fragorosa derrota na Guerra das Malvinas (1982), Menem obteve a nomeação do país como "aliado extra-Otan" dos EUA. Com esta designação - que não passava de status mais simbólico do que prático -, Menem argumentou que a Argentina merecia ocupar o posto permanente no CS da ONU, ou, no pior dos casos, compartilhá-lo com o Brasil. No entanto, afirmava o ex-presidente, jamais o país vizinho deveria ocupar o lugar sozinho.

Essa política foi seguida de maneira igualmente enfática pelos governos que seguiram, os de Fernando De la Rúa (1999-2001) ou Eduardo Duhalde (2002-2003). Recentemente, o atual chanceler, Rafael Bielsa, declarou que "o precário equilíbrio na zona não se consolida com o Brasil de forma permanente no CS".

Bielsa propôs que, no caso de uma reforma do CS, seja criado "um critério regionalista com duas categorias de países. Uma de países com o direito de estar quatro anos. Outra, com o direito de dois anos. Se obtiverem apoios correspondentes, o Brasil poderia estar até oito anos, bem como a Argentina, evidentemente".