Título: Correria e falta de agenda frustram viagem à África
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/04/2005, Nacional, p. A11

BRASÍLIA-A frustração da quarta visita do presidente Lula à África, do ponto de vista econômico-comercial, deve-se a dois tópicos negligenciados pelo Palácio do Planalto e o Ministério das Relações Exteriores. Primeiro, a teimosia dos dirigentes da política externa em manter o mito da mudança da geografia mundial, que sempre esbarra na realidade. Segundo, a própria agenda da viagem, montada com base em visitas de menos de 24 horas em cada um dos cinco países, o que tornou impossível a presença de mais empresários brasileiros na atual jornada presidencial. No Itamaraty, fontes pouco convencidas da relevância da política de aproximação do Brasil com economias em desenvolvimento - a chamada estratégia Sul-Sul - comentavam ontem que essas negligências eram previsíveis. "Trabalharam mais o caráter simbólico e midiático das visitas e se esqueceram de formular uma agenda realista do Brasil com cada país", afirmou um diplomata. "Claro que um contato pessoal vale mais que muitos e-mails. Mas, tradicionalmente, leva-se para um encontro pessoal entre presidentes assuntos que as instâncias inferiores não conseguiram resolver, definidos em uma agenda objetiva."

A irritação do ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Furlan, observada anteontem em Abuja, confirma essa avaliação. Furlan mostrou-se aborrecido com a ausência de informações sobre as barreiras comerciais impostas pela Nigéria sobre produtos brasileiros e, especialmente, com o fato de os diplomatas presentes não contarem com os dados em mãos. Entretanto, a Secretaria de Comércio Exterior (Secex), submetida à hierarquia do ministério, poderia também ter providenciado esse levantamento.

A presença de apenas 10 representantes de entidades empresariais na comitiva é outro dado real. Com o tempo curto de permanência em cada país, tornou-se impossível o deslocamento de um número maior de empresários. Carregados com uma extensa comitiva e a imprensa, que enfrentava o mesmo dilema logístico dos empresários, sobraram apenas dez cadeiras no segundo avião.

As dez poltronas foram ocupadas por executivos das construtoras Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa, da Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), da empresa de construção naval Engepron, da Petrobrás, da Eletropaulo, da Tradding Comexport, da Embrapa e do Senai. "Não se podia convidar empresários para essa viagem e depois dizer para eles se virarem para embarcarem de Camarões para a Nigéria", afirmou um diplomata.

O tempo curto também impediu que o Itamaraty organizasse o seminário empresarial destinado a apresentar as oportunidades de aumento do investimento e do comércio do Brasil com cada país visitado. Trata-se de um evento repetido com êxito em quase todas as viagens. Desta vez, o Departamento de Promoções Comerciais foi obrigado a optar pela montagem de rodadas de negócios em cada país e a descartar o seminário.

O resultado dessa viagem dificilmente poderá reduzir os déficits comerciais registrados pelo Brasil no comércio com a Nigéria (US$ 2,994 bilhões), Camarões (US$ 1,278 bilhão) e Senegal (US$ 1,229 bilhão) em 2004. Porém, restam algumas promessas. Entre elas, a possibilidade de a Camargo Corrêa participar da construção do gasoduto que ligará a Nigéria aos países da Costa do Ouro - um projeto de US$ 500 milhões.