Título: Preço do aço pode ser enquadrado
Autor: Agnaldo Brito
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/04/2005, Economia, p. B1

O governo já tem uma arma para identificar os focos de pressão de preços na cadeia produtiva do aço, tido como um dos vilões da inflação nos últimos meses. Os ataques entre os representantes dos vários elos da cadeia produtiva - mineradoras, siderúrgicas e fabricantes de automóveis e eletrodomésticos - se acirraram desde o início do ano, especialmente depois que a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) decidiu aumentar em 90% o preço do minério de ferro, um dos principais insumos da cadeia siderúrgica. Na época, o governo zerou o Imposto de Importação para um grupo de 15 produtos siderúrgicos com a intenção de jogar água na fervura. Agora, no entanto, dispõe de argumentos concretos para enquadrar o setor. A Secretaria de Desenvolvimento da Produção do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) tem em mãos um relatório preliminar com 132 páginas sobre os preços da cadeia do aço, junto com uma avaliação crítica dos valores cobrados no País em relação ao mercado internacional. O relatório é o maior levantamento de preços da cadeia feito desde a década de 90.

O Estado apurou junto a fontes do mercado que as siderúrgicas têm preços "ligeiramente" acima da cotação internacional. A evidência dessa informação deverá estar no estudo. Por outro lado, também não está descartada a possibilidade da indústria de bens de consumo de usar os aumentos do setor como argumento para majorar preços indevidamente.

"É muito difícil apurar isso sem conhecer as planilhas das empresas e avaliar exatamente qual o peso do aço num bem de consumo. A hipótese mais provável é que a indústria de produtos de varejo fez grandes repasses no ano passado, mas não na dimensão do aumento do aço", diz Eulina Nunes, gerente do sistema de índices do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e responsável pelo IPCA. O fato é que o brasileiro pode estar pagando a conta ao comprar produtos que contêm aço.

Ainda não se conhece o conteúdo do estudo encomendado pelo governo, mas a previsão é que o trabalho possa apontar onde está o problema. A assessoria de comunicação do MDIC informa que o dossiê sobre preços da cadeia do aço passará por uma consolidação no dia 15 e será apresentado numa reunião da cadeia no fim deste mês. Ainda não há data para o encontro do Fórum de Competitividade da Cadeia do Aço, instância de onde saiu a idéia de ter um relatório.

O resultado do estudo terá alguns significados importantes. Primeiro retira o governo do centro da guerra entre mineradoras, siderúrgicas e a indústria automotiva, de máquinas e eletrodomésticos por ter em mãos uma avaliação independente. Segundo, porque recoloca o governo como mediador, posição que perdeu após 1991, quando deixou de controlar preços e saiu da gestão das empresas.

Já se sabe que a cadeia do aço aproveitou a forte demanda internacional e as vantagens competitivas do setor para elevar as margens de operação nos últimos anos. Relatório da CVRD demonstra que as siderúrgicas alargaram muito suas margens líquidas de 2001 até dezembro de 2004. Cresceram, de acordo com informações da mineradora, US$ 161 por tonelada, deixando um patamar de US$ 107 para US$ 268 a tonelada. No mesmo período, o minério de ferro e pelotas tiveram uma majoração de US$ 11 a tonelada, partindo de US$ 29 para US$ 40 a tonelada.

A CVRD acredita que o último aumento do minério de ferro terá impacto reduzido nas margens e mesmo na inflação. Na sexta-feira, a companhia informou que praticamente todos os 45 milhões de toneladas destinados ao mercado doméstico já tinham preços reajustados. O repasse ficou entre 71,5% e 87%, dependendo do tipo de produto, e foi menor do que os 90% anunciados.

A CVRD tem usado os dados de rentabilidade das siderúrgicas para demonstrar as razões que sustentam a intenção da companhia de tomar parte das margens dos fabricantes de aço. Daí o motivo de a companhia ter sugerido ao setor siderúrgico que absorva a alta do minério de ferro e não repasse adiante. "As margens das siderúrgicas brasileiras são excepcionais porque a condição de preços das matérias-primas são muito melhores que as concorrentes internacionais. A Vale quer aproveitar esse momento e melhorar seu resultado, por isso fez os aumentos. O que a Vale não aceita é a acusação de que o minério é o vilão da cadeia", diz Nelson Silva, diretor da CVRD. Esse tem sido o ponto de irritação do setor que declarou que vê com restrições a estratégia das empresas de aumentar preços do minério.