Título: D. Eugênio: Lula não é cristão-modelo
Autor: Jamil Chade, Expedito Filho
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/04/2005, Vida&, p. A15

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode ter passado seus três dias em Roma, na semana passada, freqüentando igrejas e tentando provar sua religiosidade, mas parece não ter convencido o cardeal d. Eugênio Salles, ex-arcebispo do Rio e muito próximo ainda hoje da cúpula do Vaticano. O cardeal presidiu ontem a missa organizada pela Santa Sé em homenagem a João Paulo II e comparou o trabalho do papa ao feito por Jesus ao revelar o cristianismo. Mas, terminada a missa, d. Eugênio, de 84 anos, recebeu os jornalistas brasileiros em seus aposentos e não escondeu sua avaliação sobre a fé de Lula: "Ele não é um cristão-modelo." Na semana passada, ao chegar a Roma para os funerais do papa, o atual arcebispo do Rio, d. Eusébio Scheid, afirmou que Lula não era católico, mas "caótico". Sua queixa era contra as posições tomadas pelo presidente em relação ao aborto e a grupos sexuais.

No dia seguinte, o arcebispo de São Paulo, d. Cláudio Hummes, saiu em defesa do presidente. Segundo d. Cláudio, um dos cotados para se tornar o próximo papa, Lula é um cristão "a seu modo" e como outros no Brasil. Um dia após a polêmica, foi a vez de Lula chegar a Roma. Nos três dias na capital italiana, foi a três igrejas, pregou o despojamento na Igreja de São Francisco de Assis e ainda comungou. Para completar, afirmou aos jornalistas que era um homem "sem pecados".

D. Eugênio não concorda com essa avaliação feita por Lula sobre a ausência de pecados. "Isso não é verdade", disse o cardeal, insistindo, porém, que não gostaria de se alongar sobre esse tema, pois era um homem que "construía" relações. Mas lembrou que o próprio presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, também havia recebido em seu escritório grupos de homossexuais. Ele ainda insinuou ter sido contra o fato de Lula ter comungado durante o funeral do papa. "Está errado isso, mas temos de ver o que ocorreu dentro da pessoa e se na comunhão ele se arrependeu", explicou.

Mesmo assim, d. Eugênio acredita que a viagem de Lula ao Vaticano "foi positiva". O religioso lembra que já esteve com o presidente em um evento no Rio e foi tratado de forma "muito cordial". No entanto, admitiu que não mandou um telegrama ao presidente no dia de seu aniversário. "Sou uma pessoa muito independente", comentou. D. Eugênio não se considera "nem conservador nem avançado". "Eu sou um pastor", completou.

EMOÇÃO

Durante a missa, acompanhada por fiéis que lotavam a Basílica de São Pedro, o cardeal brasileiro fez questão de apontar como João Paulo II trabalhou para "revelar" a fé em Deus da mesma forma pela qual Jesus teria feito. "João Paulo nos ensinou fidelidade à vida de Cristo e proclamou continuamente a dignidade de todas as pessoas", afirmou o brasileiro em seu italiano com sotaque português.

D. Eugênio não escondia sua emoção em celebrar a missa ao lado de dois dos principais pilares do período de transição da Santa Sé, o decano do Colégio de Cardeais, Joseph Ratzinger, e o ex-secretário de Estado do Vaticano Angelo Sodano. Ratzinger é apontado como um dos papáveis favoritos e d. Eugênio não esconde sua admiração por ele.

O único cardeal brasileiro a não comparecer à missa foi d. Cláudio. Seus assessores informaram que ele está de novo resfriado e preferiu se resguardar para os próximos dias de intensos debates. Os demais brasileiros que estão no Vaticano, entre eles d. Geraldo Majella, foram à celebração. Depois, visitaram a cripta da Basílica de São Pedro, onde se realizou outra missa diante do túmulo de João Paulo II. A cripta será aberta ao público hoje.