Título: Banco suíço terá de indenizar famílias judias
Autor: William Glaberson
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/04/2005, Internacional, p. A14

Oito dias antes de Hitler anexar a Áustria, em março de 1938, numa época em que grande parte do mundo era indiferente ao crescimento do nazismo, duas proeminentes famílias judias de Viena correram para um banco suíço. Friamente realistas quanto aos problemas que enfrentariam e decididas a preservar a propriedade de uma das maiores refinarias de açúcar do país, elas criaram uma conta fiduciária para proteger sua posse. A tentativa logo malogrou. Em poucos meses, o banco violou os termos da conta, e a empresa foi "arianizada" - vendida por uma fração de seu valor a um simpatizante dos nazistas. Numa carta datada de 22 de dezembro de 1938, um funcionário do banco ofereceu uma explicação tão crua quanto assustadora: "A situação mudou." Anteontem, 67 anos depois, Edward R. Korman, um juiz federal do Brooklyn, Nova York, aprovou uma compensação de US$ 21,8 milhões para os sobreviventes das duas famílias, Bloch-Bauer e Pick, que possuíam a companhia de açúcar com outros investidores. O veredicto culpou o banco pelas perdas das famílias, mas não o identificou.

Acredita-se que a indenização seja uma das maiores nos programas de restituição de US$ 50 bilhões em vigor desde a 2.ª Guerra Mundial. É de longe a maior compensação num processo de reivindicações que está distribuindo US$ 1,25 bilhão pagos por bancos suíços em 1998 para encerrar uma vasta ação judicial coletiva. Nessa ação, os bancos foram acusados de violar a garantia de seus depositantes da era do Holocausto para agradar aos nazistas.

De certo modo, para os descendentes vivos daquelas duas famílias e para um mundo no qual o número de vítimas sobreviventes dos nazistas e seus colaboradores está encolhendo, a grande compensação é algo mais que isso. Ela oferece uma detalhada viagem de volta a um tempo sombrio, mostrando exatamente como as ações dos bancos ajudaram os nazistas, como conquistas de vidas inteiras foram perdidas em dias e como o processo foi mascarado na linguagem dos livros contábeis, legalismos e operações bancárias.

O veredicto de quarta-feira disse que a história da companhia de açúcar é um exemplo da "traição disseminada" aos depositantes por parte dos bancos suíços durante o Holocausto. E é uma história e tanto, que inclui fingimento, uma visita da Gestapo, coerção, uma falsa investigação fiscal e o que o veredicto chamou de "participação ativa" do banco "no confisco" da companhia de açúcar pelos nazistas.

"Apresentando-se aos judeus da Europa como um refúgio seguro para suas propriedades, os bancos suíços repetidamente entregaram bens de judeus aos nazistas a fim de obter o favor destes", acusa o veredicto.

O acordo judicial de 1998, num tribunal federal do Brooklyn, foi antecedido por um inflamado debate internacional sobre o papel dos bancos suíços durante o Holocausto. Os bancos retrucaram, ressaltando que não ajudaram os nazistas no confisco generalizado dos bens de seus correntistas e argumentaram que grande parte das evidências do que aconteceu com as contas era ambígua.