Título: Revezamento de posições
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/04/2005, Nacional, p. A6

Exímio na arte de adaptar velhas opiniões a novas circunstâncias, o PT leva a fama sozinho, mas não é o único a passar de acusador a defensor - ou vice-versa - de determinada tese ou idéia sem que para isso se sinta obrigado a fornecer maiores explicações. Partidos hoje na oposição, como o PSDB, o PFL e o, digamos, grupo tucano do PMDB, há algum tempo advogam o fim do instituto da reeleição que tanto custaram a aprovar. Agora, preparam-se para defender o fim da regra pela qual as alianças eleitorais nos Estados devem ter a mesma composição das coligações feitas no âmbito nacional.

A chamada verticalização, que tanta briga provocou em 2002 , volta ao cartaz no próximo dia 26, quando será votada na Comissão de Constituição e Justiça uma proposta de emenda constitucional para acabar com a norma e liberar os partidos para fazerem quaisquer alianças em 2006.

O espetáculo terá os protagonistas em papéis trocados. O PT, que em 2002 acusava a verticalização de ser um instrumentos de campanha para o então candidato José Serra, do PSDB, agora é adepto aguerrido da tese.

E os tucanos, que naquela eleição creditavam à simetria obrigatória das alianças o fortalecimento dos partidos, agora querem derrubar a exigência. Com apoio do PMDB e do PFL, o PSDB nem se dá muito ao trabalho de explicar qual é mesmo o fundamento teórico da mudança. As razões práticas de um e de outros, porém, são muito claras:

eleitoralmente convém ao governo manter os partidos interessados em integrar a coligação de apoio à reeleição do presidente Luiz Inácio da Silva legalmente amarrados ao PT nos Estados.

Assim, barrados possíveis reforços ao time dos adversários, estreitam-se as possibilidades de a oposição eleger governadores ao mesmo tempo que aumentam as chances regionais dos candidatos de situação. As primeiras opiniões emitidas antecipam um interessante debate do qual sobressairá a capacidade dos políticos de flexibilizarem suas convicções.

Declarou ontem o presidente do PT a propósito do tema: "Nós do PT estamos encaminhando contra a derrubada da verticalização, pois, sem ela e sem a reforma política, seria o pior dos mundos para o sistema eleitoral e partidário brasileiro, que já está uma bagunça e vive uma anarquia legalizada."

Sinceramente, em matéria de desorganização a cabeça de nossas excelências não anda muito diferente.

Vejamos o que dizia o PT em 2002 a respeito, quando o ministro Nelson Jobim, do Supremo Tribunal Federal, convalidou a verticalização ao responder a consulta feita em 2001 pelo deputado Miro Teixeira - então no PDT, hoje no PT - referente a lei aprovada em 1997 sobre coligações partidárias.

"Há um cheiro claro de golpe no ar e de favorecimento da candidatura José Serra." (José Dirceu, presidente do PT)

"Essa resolução fere o princípio federativo. No nosso entendimento, é um absurdo." (José Eduardo Dutra, senador do PT)

E por aí seguiam os petistas, quase que esfolando a reputação do então presidente do Tribunal Superior Eleitoral, acusando Jobim de atuar como cabo eleitoral de Serra. A título de "prova" apontavam o fato de o candidato ter sido padrinho de casamento do ministro.

O PSDB, dono da candidatura governista, certamente pelos mesmos motivos que fazem do PT agora um defensor da regra considerava a verticalização um fator de organização institucional. Na época, até o presidente Fernando Henrique Cardoso manifestou-se nessa linha. Pois veja o leitor como é a vida, o tucanato prepara-se para pegar em armas contra tão correta regra. Agora ela já não serve, tal como se argumenta contra a reeleição, alega-se que a verticalização "não funcionou".

Tudo conversa, de uma parte e de outra, para esconder o fato de que buscam formas legais de se favorecer e tratam a lei como se ela não encerrasse princípios, mas fosse uma mera questão de ponto de vista a depender do lado em que esteja o observador.

Nesse ambiente de meias-verdades, fique sabendo muito bem o leitor, é que ocorrerá em breve a discussão sobre a dita verticalização. Os partidos, é lógico, têm todo o direito de encaminhar o debate da forma como bem lhes aprouver.

Conviria apenas que não convidassem o público pagante (de impostos) a bater palmas e servir de massa de manobra desmemoriada para esse tipo de show em homenagem à deslavada desfaçatez.