Título: Solução para a violência da PM, só em 20 anos
Autor: Tonica Chagas
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/04/2005, Metrópole, p. C7

NOVA YORK - Ver policiais militares grafitando paredes, fazendo malabarismos circenses ou atuando como músicos de uma banda que anima festas de crianças nas favelas é algo que, diante da chacina ocorrida em 31 de março na Baixada Fluminense, parece apenas encenação ou simplesmente algo improvável. Mas o exemplo é real. Foi resultado do projeto Juventude e Polícia, realizado no ano passado pela Secretaria de Estado da Defesa Social de Minas, pelo Centro de Estudos sobre Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes (CESeC), do Rio, e pelo grupo cultural carioca Afro-Reggae. O objetivo do trabalho era demonstrar que a repressão não deve ser a única estratégia da polícia no relacionamento com os jovens. A ação é apontada pela cientista política americana Elizabeth Leeds como uma forma de "fazer a polícia entender que a sua eficiência e a preocupação com os direitos humanos não são uma contradição".

Ex-representante da Fundação Ford no Brasil, entre 1997 e 2003, Elizabeth fez palestra, quinta-feira, na Universidade de Nova York, onde é pesquisadora, falando sobre sua experiência no apoio de projetos para mudanças nas estratégias de ação da polícia brasileira. Novas relações da corporação com entidades sociais são fundamentais, segundo ela, para que a missão da segurança pública seja centrada em servir o cidadão e este deixe de ser tratado como criminoso.

O Rio, segundo a pesquisadora, é provavelmente o Estado brasileiro mais complicado e menos maleável a mudanças na polícia. Segundo dados recolhidos pelo CESeC, o número de mortos pela polícia no Estado passou de 355 em 1998 para 1.195 em 2003. Em geral, os mortos são jovens na faixa de 15 a 25 anos.

"O governo estadual está tentando controlar a violência e a corrupção da sua polícia e isso resulta em represálias como a chacina registrada na Baixada Fluminense."

UNIVERSIDADES

Para começar a mudar esse cenário, ela sugere como ponto básico "fazer a polícia entender que sua missão é servir os cidadãos e não o Estado _ e servir à sociedade efetiva e igualmente". Essa compreensão pode ser auxiliada pelos "inimigos tradicionais da polícia", ou seja, os setores que mais criticam as corporações. Entre esses, diz Elizabeth, as universidades têm papel fundamental.

Na palestra, a cientista política citou como exemplo um curso para oficiais da Polícia Militar na Universidade Federal Fluminense, no Rio, criado com apoio da Fundação Ford. Para avançar na carreira, os oficiais da PM têm de passar por programas de especialização, que geralmente são realizados nas academias da corporação. A intenção era reverter isso, levando os oficiais para o ambiente universitário e dando uma visão mais ampla, por meio de um currículo de ciências sociais e políticas públicas de segurança.

Outro projeto criado com apoio da fundação é o do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp), vinculado à Universidade Federal de Minas Gerais. O centro oferece a policiais civis e militares um curso de pós-graduação lato sensu voltado para o estudo, a pesquisa e a análise da natureza do crime e da violência.

No Brasil, a violência policial, segundo análise da pesquisadora, ainda é resquício do período em que o País viveu sob ditadura militar. Apesar da democratização da maior parte dos mecanismos políticos nacionais, traçada pela Constituição de 1988, "não houve uma transição entre uma polícia feita para proteger o Estado para aquela que deve proteger o cidadão", segundo Elizabeth. E ela prevê que essa transformação ainda vai demorar. "Acho que a mudança só vai ocorrer na próxima geração, daqui a uns 20 anos."