Título: Vai afundando
Autor: CELSO MING
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/05/2005, Economia, p. B2
Para aflição dos exportadores, foi ontem o dia fatídico. O dólar, afinal, despencou para abaixo dos R$ 2,50, como anunciado nas escritas e predito pelos profetas. Fechou a R$ 2,493, menor cotação desde maio de 2002. Nada garante que tenha atingido o fundo do poço. Deixado à sua própria sorte, o dólar pode afundar ainda mais. O mergulho só não é maior porque o Tesouro está antecipando compras para dar conta de compromissos futuros.
Num regime de câmbio flutuante, como o brasileiro, as cotações caem quando a oferta de dólares é maior do que a procura. O erro de exportadores e de alguns analistas foi acreditar que o principal aviltador das cotações são os juros altos. Sustentaram que caíram porque houve grande entrada de capitais especulativos dispostos a tirar proveito da enorme rentabilidade do mercado financeiro. Mas as informações do Banco Central mostraram que, nos dois últimos meses, a entrada de recursos para aplicações em títulos de renda fixa foi uma ninharia: menos de US$ 54 milhões. Ficou sem sentido controlar a entrada de capitais voláteis ou aplicar-lhes um pedágio em impostos, como sugeriu o ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore.
O grande despejador de dólares no mercado interno tem sido o exportador. Só em abril, o superávit comercial (exportações menos importações) foi de US$ 3,9 bilhões. Mas não se pode desprezar o concurso da entrada de capitais de boa qualidade, os investimentos diretos de longo prazo, que apenas em março foram de US$ 1,4 bilhão, o dobro do que ocorrera em março de 2004. O efeito dos juros altos sobre o câmbio interno é mais bem aferido na condição de inibidor do consumo e, portanto, das importações, e não como chamariz de capitais, especialmente num momento em que prevalece no mercado financeiro global a corrida para aplicações de segurança.
De dezembro do ano passado até início de março, o Banco Central comprou US$ 12 bilhões para reforçar reservas. Enquanto durou, essa intervenção conteve o tombo do dólar. Como essas compras têm alto custo em recursos públicos e em aumento da dívida, o Banco Central decidiu parar. De lá para cá, o dólar não cessou de perder gás em relação ao real, o que mostra as dificuldades do Banco Central de inverter tendências.
Os exportadores não estão pedindo só a volta das compras. Mas as outras sugestões têm poder limitado de fogo e o ministro do Desenvolvimento, Luiz Furlan, entusiasta de primeira hora de medidas pontuais nesse sentido, parece menos animado com sua eficácia. Por exemplo, a permissão de que o exportador que também importa deixe seus dólares lá fora para depois com eles saldar seus compromissos serviria para desburocratizar as operações, mas não reduziria o impacto no câmbio interno: o exportador deixaria de vender os dólares, mas, em seguida, também deixaria de comprá-los quando a hora fosse de pagar o fornecedor.
Outra idéia, a de proibir importações com financiamento externo para exigir que as compras de dólares destinadas ao pagamento do fornecedor estrangeiro não sejam postergadas, além de desestimular importações, só anteciparia a procura de dólares; não a aumentaria.
Apesar disso, há como aumentar a busca por moeda estrangeira. Uma idéia é antecipar a formação de provisões para pagamento da dívida externa, mas isso implica permitir que o Tesouro compre antes de 180 dias dos vencimentos. Outra, estimular importações, medida para a qual a indústria torceria o nariz, pois teme o aumento da concorrência externa. Outra ainda, incentivar aplicações financeiras de pessoas físicas no exterior, o que teria alcance limitado porque os juros estão mais atraentes aqui.
Nada disso eliminaria o fato decisivo de que a melhora dos fundamentos da economia, o que todos querem, tende a aumentar a entrada de dólares e, portanto, tende a derrubar ainda mais as cotações no câmbio interno.