Título: A decadência dos cursos de Economia
Autor: Roberto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/04/2005, Espaço Aberto, p. A2

As entidades dos economistas e instituições de ensino superior (IES) estão preocupadas com a decadência do curso de Economia, refletida na queda do número de seus alunos. Segundo dados publicados recentemente (Folha de S.Paulo, 10/4), o número de estudantes matriculados no curso em todo o País caiu de 67 mil em 1998 para 61,5 mil em 2003. Enquanto isso, um curso parente, o de Administração, viu suas matrículas crescerem de 292,7 mil para 508,4 mil no mesmo período. Ainda nesse período e noutro parente, o de Contabilidade, o alunado se ampliou de 122,4 mil para 147,5 mil. O diagnóstico deve passar necessariamente por uma avaliação do curso de graduação em Economia relativamente aos que competem mais proximamente com ele na disputa pela preferência dos estudantes. A raiz do problema está no fato de que o currículo usual do curso se revela inadequado em face do que os economistas formados por ele encontram no mercado de trabalho. Esse currículo tem um conteúdo muito grande de disciplinas que procuram formar um economista muito sofisticado e especializado, com conhecimentos de teoria macro e microeconômica, matemática (em particular cálculo diferencial), história geral, história econômica (do Brasil e de outros países), história do pensamento econômico, métodos quantitativos (de estatística matemática a econometria), noções de contabilidade, administração, direito, sociologia e política, mais disciplinas específicas da área (como comércio internacional, finanças públicas, desenvolvimento econômico e análise de projetos), sem esgotar a lista de possibilidades.

Daí decorrem dois problemas: a maioria das escolas de Economia não consegue ministrar esse currículo de forma adequada, pois, se for para valer, isso exige uma formação de pós-graduação. Aliás, em contraste com os de graduação, os cursos de pós em Economia vão bem, inclusive com demanda de profissionais de outras áreas, como engenheiros, revelando que continua sólida a demanda por economistas bem formados.

O segundo problema é que o currículo atual de graduação em Economia é fraco no seu conteúdo de disciplinas indispensáveis ao estudante típico, ou seja, aquele que não vai para a pós e busca trabalho logo depois ou mesmo antes da formatura, inclusive nos famigerados "estágios" de oito horas de trabalho diário, que também acabam prejudicando sua formação. Quanto a esse estudante típico, é preciso levar em conta que só uma pequena minoria dos que se formam vai trabalhar especificamente como economistas. A maioria disputa com os referidos parentes próximos ou mesmo mais distantes (como os engenheiros) um leque comum e amplo de ocupações, como auxiliares, assistentes, gerentes, vendedores e administradores de segmentos em que se organizam as empresas (produção, administração geral, finanças, vendas e outros). Nessa disputa, entretanto, aparecem as deficiências do currículo, pois ele é carente de maior conteúdo de administração, contabilidade, legislação fiscal, matemática financeira, finanças e outros conhecimentos indispensáveis ao exercício dessas ocupações. Disciplinas como essas são igualmente indispensáveis na disputa de concursos que conduzem a várias ocupações ou cargos do serviço público.

Nesse contexto, temo que campanhas movidas pelas entidades de classe com o objetivo de reerguer o interesse pelo curso se revelarão inócuas, pois procuram estimular a demanda por um currículo que hoje não atende às necessidades dos estudantes. Pelo que vi num cartaz de uma dessas campanhas, ela parte do equivocado ponto de vista de que o formado por um curso de graduação em Economia irá trabalhar logo e principalmente como economista. Diz o cartaz, sobre o economista: "Uma das suas mais importantes funções é elaborar estudos de viabilidade econômica, ou seja, calcular antecipadamente as possibilidades de sucesso de um projeto (...) estudar e planejar para que as atividades econômicas dêem certo e tenham o máximo resultado (...) Sua função social é diminuir riscos e aumentar chances, ao indicar para pessoas, empresas e instituições os melhores caminhos e as condições necessárias para alcançarem sucesso em seus empreendimentos."

Ora, um levantamento que realizei com dados do último censo (2000) mostra que só 9,1% dos economistas declararam trabalhar em pesquisa e análise econômica, ou seja, na linha do que diz o referido cartaz; 90,9% deles encontram trabalho dentro do referido leque amplo de ocupações disputadas também por outras profissões. O correto seria melhor prepará-los para isso.

A saída está em reformular o currículo do curso, aceitando que a formação ideal só se alcança na pós-graduação e que é preciso dar ao estudante típico de graduação um conteúdo mais adequado à realidade que enfrentará depois de formado.

Por que não se faz isso? Não é por impedimento legal, pois a última Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da Educação, de 1996, estabeleceu que os chamados "currículos mínimos" fossem substituídos por disposições mais flexíveis, na forma de diretrizes curriculares. Assim, seria possível substituir o atual currículo mínimo do curso de Economia por diretrizes desse tipo que deixassem maior liberdade às IES para redefinirem seus cursos.

Já se passaram quase dez anos dessa última LDB. Diretrizes para o curso de graduação em Economia chegaram a ser aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação, mas sua aplicação foi suspensa por pressão de entidades de classe dos economistas, fortemente influenciadas por professores de universidades públicas (que têm clientela cativa, dado que elas não cobram pelo ensino), que se apegam a detalhes para impedir ou atrasar a aplicação de novas regras capazes de resgatar o curso de sua decadência.

Se refletissem sobre as necessidades dos estudantes, sua atitude deveria ser a de facilitar e acelerar a chegada de novas e mais flexíveis diretrizes curriculares. Sem elas a perspectiva é de que a decadência prosseguirá.

Roberto Macedo, economista (USP), com doutorado pela

Universidade Harvard (EUA), é pesquisador da Fipe-USP

e professor da Universidade

Presbiteriana Mackenzie. E-mail: roberto@macedo.com