Título: Mudança causa apreensão no Inpe
Autor: Cristina Amorim
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/05/2005, Vida&, p. A22

Como uma máquina bem azeitada, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) aparenta normalidade operacional apesar das mudanças pelas quais passa. Na terça-feira, o diretor Luiz Carlos Moura Miranda pediu exoneração do cargo por não concordar com a nova divisão orçamentária do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), que direcionou grande parte da verba do instituto para as mãos da Agência Espacial Brasileira (AEB), que a administra a partir deste ano. Por trás da aparente tranqüilidade, alguns pesquisadores questionam se a decisão vai influenciar negativamente o andamento de seus projetos. Se antes o recurso destinado às ações relacionadas ao Plano Nacional de Atividades Espaciais (PNAE) era repassado diretamente dos bolsos do ministério para o Inpe, agora boa parte dele passa pelo crivo da AEB - cerca de 85% do orçamento do Inpe, ou R$ 104 milhões. Além disso, o Inpe precisará prestar contas de suas atividades à agência a cada três meses, o que acontecia anualmente. "No mínimo, é uma burocracia a mais", comenta o engenheiro eletrônico Benjamim Galvão, funcionário do Inpe há 30 anos. "Todos sabemos que, quanto menos gente envolvida, melhor funciona o processo."

A AEB insiste que não haverá ônus nem à pesquisa, nem à autonomia do Inpe. Galvão lembra que pode haver uma diferença entre o dito e a prática: "No Brasil, e quem trabalha no sistema de funcionalismo público sabe, existe a questão do contingenciamento das verbas, que leva à liberação de recursos no fim do ano. O prazo já costumava ser curto para licitações quando o dinheiro era repassado diretamente. Imagine ter de justificar o pedido."

Para o tecnologista do Inpe Petrônio Noronha de Souza, presidente da Associação Aeroespacial Brasileira, grupo que acompanha o programa espacial, ainda é cedo para saber quais serão os efeitos da mudança no cotidiano do instituto. Ele lembra que, nos últimos anos, a AEB tem reunido as atividades ligadas à área, que antes era dividida entre os centros existentes no País. Um exemplo é a produção das peças que serão fornecidas pelo Brasil ao projeto da Estação Espacial Internacional (Leia texto abaixo).

A preocupação permeia outros setores do Inpe, como a Coordenação de Observação da Terra, que monitora atividades no solo, entre elas o desmatamento na Amazônia, com dados recolhidos por satélites como os da família CBERS. Ainda que parte de seu orçamento tenha outras fontes, como o Ministério do Meio Ambiente, em março funcionários já haviam assinado uma carta de discordância com as novas diretrizes, que foi encaminhada para a direção do instituto e para o MCT.

Miranda não foi encontrado pela reportagem para comentar sua saída da direção do Inpe.

Na sexta-feira, o ministro de Ciência e Tecnologia, Eduardo Campos, vai à sede do instituto, em São José dos Campos, no interior de São Paulo, para anunciar oficialmente a saída de Miranda e para empossar interinamente Leonel Perondi, coordenador do departamento de Engenharia e Tecnologia Espacial, como diretor.

A escolha do substituto definitivo de Miranda começa com a formação de um comitê de busca, que contará com membros da comunidade científica nacional, responsável pela indicação de três nomes para o cargo. A decisão será tomada pelo ministro com base na análises de currículo, apresentação de planos de gestão e entrevistas pessoais. O processo de seleção já havia sido usado na escolha do próprio Miranda.