Título: Patrulheiros tiram Lula do sério
Autor: João Domingos
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/05/2005, Nacional, p. A8

A ação de alguns burocratas do segundo e terceiro escalões do serviço público federal tem tirado do sério o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. É profunda a irritação de Lula com servidores que, sem seu conhecimento e de forma estabanada, teimam em aprisionar a literatura, mudar regras da ética médica ou instituir a censura para algumas palavras, tendo por trás sempre a edição de alguma cartilha sugerida por ONGs ou grupos organizados. Na semana passada, o presidente perdeu de vez a paciência com esse povo. E quem teve de ouvir seu desabafo foi o secretário de Direitos Humanos, Nilmário Miranda. "Quero que você tire meu nome dessa cartilha. Eu não autorizei nada disso", disse Lula a Nilmário, assim que teve em mãos a cartilha Politicamente Correto & Direitos Humanos, editada pela secretaria de Nilmário. Lula mandou ainda recolher a publicação.

A cartilha, preparada por Perly Cipriano, subsecretário de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, repetiu a Santa Inquisição da Igreja Católica medieval e pós-medieval. Criou, como aquela organização católica, um índex de expressões vetadas. Entre elas, "peão", que o presidente não só usa em seus discursos, como se qualifica, "funcionário público", "comunista", e "a coisa tá preta", entre outros mais de 90 itens.

Os burocratas do governo são mestres na arte de criar cartilhas e regras que só causam dor de cabeça ao próprio governo. Em julho de 2003, o professor de Comunicação da USP, Bernardo Kucinski, que trabalha na Secretaria de Comunicação do governo, montou um serviço de avaliação diária dos jornais e jornalistas. O boletim, intitulado A leitura da mídia, emitia conceitos - de arrepiar - sobre as notícias e os autores. Lembrava, entre outros pontos, alguns que chamavam a atenção: "Jornais podem deliberadamente não dizer a verdade, fatos são deturpados para torná-los torpes e sórdidos, informações são postas fora do contexto para reforçar aspectos negativos, jornalistas guiam o juízo de seus leitores, jornalistas mentem de forma difusa e repórteres de política fazem jornalismo mediúnico".

A respeito desse último caso, Kucinski acusava os repórteres de "adivinharem intenções, visões, crenças, disposição de espírito e, até mesmo, os sentimentos dos protagonistas". A circulação desse boletim foi suspensa depois que o repórter Rudolfo Lago, do Correio Braziliense, noticiou a existência da publicação, em julho de 2003.

Também foi Kucinski que criou o Serviço de Pronta Resposta, uma cartilha enviada a todas as assessorias de imprensa dos ministérios e órgãos públicos com a orientação para que ninguém cochilasse na vigilância à imprensa. Qualquer notícia que fosse considerada incorreta deveria ser imediatamente rebatida. A cartilha do assessor enumerava 15 formas de agir. Entre elas: dizer que o repórter se equivocou, abrir a carta com elogios ao profissional, numa redação bem curta, para ser aproveitada por inteiro, e dirigir o documento ao diretor de redação, ao ombudsman (quando existir), ao editor e ao repórter, além de falar da influência do jornal.

Na primeira quinzena de março, o Ministério da Saúde mandou aos hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS) cartilhas que orientavam os médicos a não exigirem mais o boletim de ocorrência policial para o aborto em vítimas de estupro, condição prevista no Código Penal. A providência provocou um intenso debate. Até que o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Nelson Jobim, declarou que os médicos teriam sim, de exigir cópia da ocorrência policial. O Conselho Federal de Medicina (CFM) reforçou a exigência do boletim. A burocracia do Ministério da Saúde se aquietou desde então.

A idéia de mexer em dicionários, como a que ocorreu agora com a Secretaria de Direitos Humanos, não é nova entre petistas. A ex-deputada distrital Lúcia Carvalho (PT) chegou a apresentar à Câmara Legislativa de Brasília um absurdo projeto de lei que retiraria dos dicionários, dos livros didáticos e das obras literárias expressões que ela considerava de conotação machista. Lúcia enumerou algumas: mulher-macho, sapatão e paraíba mulher-macho, entre outras. Nesse último caso, desconheceu que a música de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira nada tem de machista.

Trata-se de uma letra política que homenageia a Paraíba que, em 1930, em conjunto com Rio Grande do Sul e Minas Gerais, lançou a candidatura de Getúlio Vargas à Presidência e de João Pessoa a vice. A coligação, a Aliança Liberal, foi derrotada por Júlio Prestes. João Pessoa foi assassinado.

Veio a Revolução de 30 e Getúlio foi declarado presidente. E a Paraíba, pequena e atrevida, foi homenageada numa letra que virou um baião famoso: "Paraíba masculina, mulher-macho, sim senhor.