Título: Texto condena terror, mas apóia resistência
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/05/2005, Nacional, p. A6

A declaração final da Cúpula América do Sul e Países Árabes trará uma derrota para a diplomacia sul-americana - em especial a brasileira - num dos tópicos mais polêmicos. Logo depois da condenação a toda forma de terrorismo, o texto legitimará a reação armada de países ocupados por forças estrangeiras, como são os atentados palestinos a Israel e os ataques a forças americanas no Iraque. Esse foi um dos pontos discutidos ontem pelos chanceleres dos 34 países. A declaração ainda estará sujeita hoje a alterações pelos líderes das delegações e será divulgada amanhã, ao final da cúpula.

Ontem, após a reunião, o chanceler Celso Amorim reagiu com irritação ao ser indagado se o texto trazia a diferenciação entre terrorismo e resistência à ocupação. "Isso está na cabeça da mídia brasileira, não posso fazer nada. Talvez, na cabeça da mídia internacional, para não ser injusto", reagiu. "O terrorismo é condenado de maneira clara. Outro parágrafo fala do direito de resistência à ocupação estrangeira, de acordo com o Direito Humanitário Internacional. Cada um lerá da maneira que entenda."

Inicialmente, as chancelarias da América do Sul propunham eliminar qualquer menção sobre resistência à ocupação, que era reivindicação árabe. O primeiro acerto foi de que seria usada linguagem próxima das resoluções do Conselho de Segurança da ONU para evitar a politização da cúpula e possíveis atritos. Uma proposta acertada era sugerir à ONU fazer uma conferência internacional para definir o que pode ser considerado terrorismo. Essa indefinição tornou-se emblemática na América do Sul, onde o Brasil, por exemplo, não considera as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) como grupo terrorista.

Na reunião de chanceleres já se tornou clara a diferença de objetivos entre países árabes e sul-americanos. O chanceler da Argélia, Adel Aziz Bel Khaden, destacou que um tema prioritário seria a defesa da autodeterminação da Palestina e de rechaço à ocupação estrangeira. A posição árabe parece ter ganhado força. O próprio Amorim admitiu que a declaração tratará "situações políticas específicas, como as Malvinas e a Palestina".

Outro tema conturbado foi a definição de como prosseguir as discussões políticas entre árabes e sul-americanos. Segundo Amorim, o tema foi o que consumiu mais tempo dos chanceleres. Ao final, decidiram que haverá uma segunda cúpula num país árabe - ainda não definido - em 2008. Também haverá em 2007 uma reunião ministerial em Buenos Aires e, dentro de seis meses, um encontro de altos funcionários das duas regiões.

MALVINAS

Por influência da Argentina, o texto trará parágrafo específico em favor da retomada das negociações entre esse país e a Grã-Bretanha sobre a soberania das Ilhas Malvinas (Falklands para os britânicos). É uma proposta que Buenos Aires sempre apresenta em reuniões multilaterais - e as latino-americanas tendem a aceitá-la sem problemas. A declaração da cúpula vai propor que os dois lados busquem "uma solução pacífica, justa e duradoura" no tempo mais curto possível. E dirá que a inclusão do Arquipélago das Malvinas no mapa da União Européia "é incompatível com a existência de uma disputa de soberania sobre as ilhas".