Título: Choque de políticas
Autor: CELSO MING
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/05/2005, Economia, p. B2

A inflação de abril medida pelo Índice de Preços ao Consumidor-Amplo (IPCA) estreitou ainda mais a ação do Banco Central. Foi um avanço de 0,87% no IPCA, bem maior do que o 0,61% de março, que acumula 2,68% nos quatro primeiros meses do ano e 8,07% em 12 meses.

Para que a meta deste ano, de uma inflação não superior a 5,1%, possa cumprir-se, nos próximos oito meses os preços não podem passar de 0,29% ao mês. Essa missão talvez não seja impossível, mas a esta altura não dá para apostar em que ela seja cumprida.

Pelo impacto sobre os preços da energia elétrica e das tarifas telefônicas, ficamos sabendo que os preços administrados continuam pesando na inflação. São tarifas e preços reajustados por contrato, quase sempre corrigidos pelo IGPM, que levam uma forte carga de preços no atacado hoje ainda influenciados pela alta do dólar no ano passado.

Os preços administrados quase não reagem à sanfona monetária (que injeta ou tira dinheiro da economia) porque os reajustes são os previstos em lei ou nos contratos, independentemente do tamanho dos juros. E eles pesam cerca de 29% no custo de vida. Mas, pelo menos no segmento dos preços livres, seria de esperar mais eficácia da política dos juros. Os preços dos alimentos e das bebidas passaram de 0,26% (em março) para 0,81% (em abril). O avanço é tão forte que grande número de analistas vai concluindo apressadamente que "os juros não funcionam".

Na verdade, há outra força empurrando os preços no sentido contrário ao que procuram fazer os juros. Tudo se passa como se dois indivíduos estivessem empurrando uma escrivaninha, um em cada ponta, um fazendo pressão em sentido oposto à pressão do outro.

Em outras palavras, há uma enorme inconsistência de políticas. Enquanto a política de juros é contracionista, ou seja, tira dinheiro da economia, a política fiscal (despesas públicas) faz o contrário. No caso, vai ganhando a política expansionista do governo federal, com uma agravante: a de que a alta dos juros realimenta a dívida pública que, em seguida, exige mais dispêndio com juros.

Em evento na Fiesp realizado dia 26 de abril, o presidente Lula reconhecia que seu governo está despejando tanto dinheiro na economia, "que não está escrito em nenhum manual". Como foi lembrado por esta coluna dia 10, em 2004 as despesas não financeiras da União cresceram 18,4%, enquanto a inflação foi de 7,4%. Mais despesas públicas criam renda e turbinam o consumo, que já vinha crescendo como resultado da pujança das exportações. E quando o aumento do consumo é maior do que a capacidade de oferta de bens e serviços pelo setor produtivo, como parece estar acontecendo, a inflação de demanda acaba sendo apenas conseqüência.

Isso significa que, para atingir a meta de inflação, ou pelo menos para ficar perto disso, o governo tem de escolher: ou os juros vão para a estratosfera para compensar a gastança federal ou trata de conter drasticamente as despesas públicas para permitir que a política de juros dê conta do recado.

Quando da sua primeira entrevista coletiva à imprensa, no dia 29, o presidente Lula pareceu ter entendido o problema ao dizer que "os juros não podem ser o único instrumento de controle da inflação". O diabo é que conter despesas requer energia política, especialmente num período pré-eleitoral, quando os políticos mais querem gastar.

O Copom, que se reunirá dia 18, vai ficando sem saída. Poderá denunciar os gols contra marcados pela política fiscal e exigir coerência do governo federal e, nesse caso, livraria sua política de juros da desmoralização. Ou, então, poderá seguir calado e continuar a empurrar com ainda mais força a escrivaninha (mais alta dos juros), sem nenhuma garantia de que possa chegar perto do cumprimento da meta, o que lhe custaria perda de credibilidade. A conferir.