Título: Corrupção nos Correios
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Fonte: O Estado de São Paulo, 17/05/2005, Editoriais, p. A3

O governo tem escassas condições morais ou políticas para enfrentar às últimas conseqüências o novo escândalo na área federal ¿ o esquema de corrupção na Empresa de Correios e Telégrafos (ECT), divulgado pela revista Veja. Gravações recebidas pelo semanário mostram o então chefe do Departamento de Contratação e Administração de Material dos Correios, Maurício Marinho ¿ indicado pelo PTB ¿, recebendo R$ 3 mil como adiantamento de propina para a inclusão dos pagantes na lista de fornecedores da estatal.

O pior são as declarações do funcionário.

Com naturalidade reveladora de que nada se teme no submundo do tráfico de favores no setor público, ele comprometeu o presidente do PTB, deputado Roberto Jefferson ¿ cuja notoriedade remonta aos seus tempos de capitão da tropa de choque collorida no Congresso.

¿Nós somos três e trabalhamos fechado¿, contou.

¿Os três são designados pelo PTB, pelo Roberto Jefferson.

Ele me dá cobertura.

Não faço nada sem consultar.

Tem vez que ele vem do Rio de Janeiro só para acertar um negócio.

Ele é doidão.

¿ O governo tomou as providências de praxe.

Marinho já se afastara três dias antes da publicação, por problemas de saúde.

O ministro das Comunicações, Eunício Oliveira, mandou afastar o seu superior, o diretor de Administração Antonio Osório Menezes Batista ¿ ex-deputado do PTB, também indicado por Jefferson e, segundo Marinho, outro dos três que trabalhavam fechado.

Foi aberta sindicância interna nos Correios e instaurado inquérito a cargo da Polícia Federal.

A Controladoria-Geral da União também investigará o assunto.

Foi o que o Planalto fez em fevereiro de 2004, quando outra revista, Época, expôs Waldomiro Diniz, o amigo próximo do ministro da Casa Civil, José Dirceu, extorquindo, em 2002, o ¿empresário lotérico¿ Carlinhos Cachoeira.

E nisso reside, sem tirar nem pôr, o gritante embaraço do governo para levar o caso dos Correios a ferro e fogo.

Pois, transcorridos 1 ano e 3 meses da denúncia, da sindicância, do inquérito e da investigação, o País continua ignorando o que Waldomiro teria feito como assessor parlamentar de Dirceu e se este tinha conhecimento das ações do apadrinhado antes e depois de trazê-lo a Brasília.

O inquérito da Polícia Federal ainda não terminou e o Supremo Tribunal Federal (STF) está para decidir se a oposição, que a ele recorreu, tem o direito de ver implantada a CPI que o então presidente do Senado, José Sarney, se recusou a instalar, embora os autores da iniciativa tivessem preenchido todas as exigências regimentais pertinentes.

Se a oposição agora propuser uma CPI dos Correios, o PT estará diante de uma escolha de Sofia: se combatê-la, será coerente com o que fez no Waldogate, mas sob pena de uma execração pública de alcance imprevisível; se apoiar o inquérito, somará a incoerência à traição.

Para os petebistas, de fato, é inadmissível que o governo deixe de proteger o seu presidente.

Um dos segundos de Jefferson, o deputado estadual paulista Campos Machado, se apressou a lembrar que o Planalto defendeu Dirceu numa situação assemelhada ¿muito mais grave¿.

O mesmo Dirceu, aliás, fez do PTB um dos esteios de Lula no Congresso.

As urnas de 2002 deram à legenda 26 cadeiras na Câmara dos Deputados.

Ele transpôs, para a bancada, outros 23 parlamentares ¿ no bojo das 230 mudanças de legenda ocorridas, sempre no rumo da base governista, ou dentro dela.

Além disso, dos 6 mil cargos de confiança cujos titulares o próprio governo admite já ter substituído ¿ de um total disponível superior a 20 mil ¿, os jeffersonianos foram contemplados com cerca de 2 mil.

São do PTB, notadamente, o ministro do Turismo, o presidente da Eletronorte, diretores dos Correios, da Transpetro e da BR Distribuidora.

Outro esperava ser nomeado ontem para Furnas.

¿Os partidos brigam por esses cargos¿, diz um ex-diretor da empresa, pelas oportunidades que proporcionam.

Para um governo cujo presidente do Banco Central está sendo investigado pelo STF e cujo ministro da Previdência corre idêntico risco, a irrupção do escândalo dos Correios é um pesadelo, mesmo que, por motivos diferentes, não possa ser equiparado nem a um caso nem a outro.

E coincide com o conflito escancarado pelo Ministério da Coordenação Política, a rebeldia das frustradas bancadas aliadas e os impasses nas votações da Câmara.

Isso não há discurso que exorcize.