Título: Coreanos personalizam célula-tronco
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Fonte: O Estado de São Paulo, 20/05/2005, Vida &, p. A15

Pela primeira vez, cientistas conseguiram obter células-tronco embrionárias "sob medida", compatíveis com os pacientes, que no futuro podem dar origem - sem o risco de rejeição - a terapias para doenças até agora intratáveis. Os pesquisadores afirmaram que essas linhas celulares permitirão o estudo em laboratório de tratamentos para doenças como Parkinson, Alzheimer e diabete. No ano passado, esses mesmos cientistas, da Universidade Nacional de Seul, na Coréia do Sul, haviam sido os primeiros a clonar um embrião humano a partir de material de uma mulher saudável. Desta vez, eles retiraram células-tronco de clones de pessoas com diabete, lesão na coluna vertebral ou um tipo raro de deficiência imunológica.

As células-tronco têm a capacidade virtual de formar qualquer tipo de tecido do corpo humano - como músculo, neurônios e cartilagem -, especialmente as de origem embrionária. O problema delas, além da questão ética (já que sua utilização exige a destruição do embrião), era a falta de compatibilidade com o paciente, o que poderia levar à formação de tumores, se transplantadas.

O que a equipe coreana fez foi usar a clonagem, pela técnica de transferência de núcleo, para garantir que as células-tronco embrionárias carregassem o mesmo código genético do paciente. O resultado desse novo experimento foi publicado ontem na edição online da revista americana Science (www.sciencemag.org), uma das publicações científicas mais respeitadas do mundo.

O processo é conhecido como clonagem terapêutica. Um embrião clonado na fase inicial é destruído em laboratório para originar as células-tronco. O embrião era um clone porque se desenvolveu a partir de um óvulo para onde foi transferido o material genético de uma pessoa que já existe.

No caso do estudo coreano, os cientistas retiraram o núcleo de 185 óvulos e injetaram neles o material genético de 11 pacientes, adultos e crianças, que sofriam de males até hoje sem cura: danos na coluna vertebral, diabete tipo 1 hereditária e a hipogamaglobulinemia, uma doença do sistema imunológico. Os óvulos, de forma induzida, se desenvolveram e deram origem aos blastocistos (embriões com cinco ou seis dias de vida), a partir dos quais os pesquisadores conseguiram as células-tronco.

"Esse estudo demonstra que se pode fazer que as células-tronco sejam específicas para cada paciente, não importa seu sexo e idade, e essas células são cópias genéticas iguais às do doador", disse Gerald Schatten, professor da Universidade de Pittsburgh, nos EUA, e colaborador do estudo coreano. "Se elas puderem ser usadas sem problemas em transplantes, a promessa de um tratamento eficaz - e talvez até de uma cura - de lesões e doenças devastadoras está perto."

PRIMEIRO PASSO

Além da possibilidade de desenvolver tecidos humanos imunocompatíveis, os cientistas poderão observar, pelas células-tronco de indivíduos doentes, o começo de doenças como o mal de Alzheimer, o que poderia inspirar novas fórmulas de tratamento.

Esse, no entanto, é o primeiro passo num longo caminho até que o procedimento se transforme em uma terapia. "A clonagem terapêutica tem um potencial tremendo, mas temos de abrir muitas portas antes de realizar experiências com humanos", disse Hwang Woo-Suk, o pesquisador-chefe do estudo.

A próxima etapa, segundo os autores, é a avaliação em laboratório das linhagens de células-tronco embrionárias específicas de um paciente para determinar sua tolerância imunológica, a eficácia terapêutica e a segurança.

Os cientistas disseram que as experiências iniciais em laboratório mostraram uma compatibilidade imunológica entre as células-tronco embrionárias e as células de pessoas que proporcionaram o DNA de cada linha, o que sugere que o corpo do paciente pode tolerar essas células transplantadas. Mas vários problemas de procedimento médico ainda precisam ser resolvidos antes que as células-tronco específicas para um paciente possam ser usadas.