Título: Trator zero-quilômetro ficou apenas no sonho
Autor: Agnaldo Brito
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/05/2005, Economia, p. B12

RIBEIRÃO PRETO - Ismar Morete tinha tudo planejado. Com o dinheiro da soja trocaria a colheitadeira de grãos que pilota há duas décadas. Bancaria uma parte dos R$ 350 mil da máquina e assumiria novo financiamento ao longo dos próximos anos. Não foi a seca que anulou os planos de Morete. Foi o dólar. A taxa de câmbio deve tirar deste agricultor paulista boa parte da renda que achou que teria quando começou a plantar. Do dólar de R$ 3,10 recebeu apenas faturas de custos. Do dólar atual receberá uma receita menor para cruzar todo o ano. "Vou pagar o financiamento de custeio. Para o resto, não vai dar." O conjunto dos sojicultores brasileiros está com esse problema, custo operacional mais alto do que o preço de venda. Morete esteve na Agrishow com os primos Leandro e Vanderlei, todos produtores de soja e milho. Dividem a terra, os lucros e os prejuízos. Todos sonharam com a colheitadeira, mas agora é sonho adiado.

Eder Esteves, produtor da região de São José do Rio Preto, teve menos sorte. Além dos preços e do dólar, o produtor viu a soja minguar a partir de janeiro, depois de uma seca de 40 dias. Perdeu 50% da safra que plantou no município de Alvares Florence. Tem uma dívida de R$ 350 mil de custeio e outra de R$ 400 mil de investimentos feitos no ano passado. Não tem como pagar.

"Todo mundo fala que os agricultores ganharam muito dinheiro nos últimos anos. Mas os ganhos serviram para ampliar área, melhorar a produção, comprar maquinário novo. O agricultor precisa manter os ganhos, do contrário, pára", afirma. Quanto à dívida, Esteves entrará na lista de refinanciamento dos débitos. "Falam muito da renegociação. Tudo bem, é importante, mas produtor nenhum se ilude. É problema jogado para a frente."

O plano de comprar um novo trator, óbvio, foi esquecido. Ainda assim, ele quis ver. "A fabricante fez de tudo para fechar o negócio. Estão tentando vender de qualquer jeito. Impossível. Quero saber mais como vou cruzar o ano. O trator? Já esqueci."

As histórias de Morete e Esteves expressam a preocupação das indústrias de máquinas e equipamentos. A New Holland, uma das maiores fabricantes de colheitadeiras e tratores no Brasil, já reduziu o ritmo de produção das unidades de Curitiba e Piracicaba (SP), além de ter feito dispensas. O corte das encomendas provocado pela quebra da safra de grãos já custou o emprego de 220 trabalhadores e a determinação de férias coletivas de 20 dias. Segundo Sérgio Plaut, diretor nacional de vendas da empresa, a despeito dos problemas, a agenda de lançamentos para o ano está mantida. Entretanto, ele não sabe ainda quais os desdobramentos desta crise.

A Kepler Weber, líder nacional do mercado de sistemas de armazenagem de grãos, com 60% de participação, não teve como manter o nível de emprego. Reduziu o quadro de 2,2 mil para 1,7 mil trabalhadores. "Tivemos de adequar os custos à nova realidade de mercado", diz Duílio de La Corte, diretor-comercial da empresa. A real dimensão do problema a Kepler Weber terá mesmo a partir de junho, quando os agricultores começam a fazer os pedidos de sistemas de armazenagem. É uma situação estranha. O Brasil tem grande déficit de armazenagem de grãos. Segundo estudos da própria empresa, apenas 11% das propriedades rurais com produção de grãos têm silos. O déficit nacional total chega a 30%.

Para Rubens Dias de Morais, presidente da Jumil, indústria de Batatais (SP) fabricante de implementos agrícolas, a crise da área de grãos não será pequena. A queda da renda talvez seja o maior drama.