Título: O celeiro do mundo em estado de alerta
Autor: Agnaldo Brito
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/05/2005, Economia, p. B12

RIBEIRÃO PRETO - O poeirão levantado pelas máquinas parecia até névoa da madrugada, não fosse o sol escaldante que imperou durante toda a semana da Agrishow 2005, evento encerrado ontem, em Ribeirão Preto, interior de São Paulo. Bem que as indústrias de máquinas, equipamentos e implementos agrícolas tentaram. Ligaram os tratores, levantaram poeira, mostraram as piruetas de que são capazes. Os agricultores gostaram, mas só. Voltaram para a roça de mãos vazias, acometidos de incertezas sobre o futuro. "Comprar o quê, rapaz? Eu só queria. Vou ficar querendo", brinca Valdemir Morete, sojicultor paulista. A edição 2005 da maior feira do agronegócio latino-americano não foi exatamente o que se esperava. O momento atual da agricultura, com safra bem menor que o inicialmente previsto e preços em queda, não ajudou os negócios. Claro, há exceções no cenário, como cana, laranja e café, culturas da Região Sudeste, basicamente. Mas no conjunto, o prejuízo não é pequeno e a fatura da crise agrícola começa a aparecer. Após três anos de exuberância, a agricultura enfrenta um momento crítico cujas dimensões ainda não são totalmente conhecidas.

A previsão do IBGE de uma safra de 130 milhões de toneladas de grãos este ano foi revisada para baixo: 116,3 milhões de toneladas, queda de 2,5% em relação à safra 2003/2004. Em algumas áreas do Rio Grande do Sul a perda foi total. E essas perdas vão implicar, necessariamente, na queda da renda dos agricultores.

A estimativa do ministro da agricultura, Roberto Rodrigues, que estava em Ribeirão Preto, é que o agricultor perderá R$ 20 bilhões neste ano. Menos renda, menos investimento. O prognóstico: "O Brasil vai crescer cerca de 1% em área plantada, mas enfrentará perda do nível tecnológico na agricultura. Menos fertilizantes, menos defensivos". Ou, em resumo, "menos produtividade", diz o ministro. Segundo Sérgio Magalhães, presidente da Agrishow, a feira deste ano foi um sucesso na demonstração de tecnologia e um fracasso nas vendas. De R$ 1,2 bilhão do ano passado, para R$ 600 milhões este ano, "com sorte".

EFEITO CÂMBIO

"Faz tempo que não vejo um cenário do setor agrícola tão preocupante", diz André Pessôa, sócio-diretor da Agroconsult, empresa que concluiu em abril o 2.º Rally da Safra e identificou a crise que pode se instalar na área agrícola. Para ele, o grande problema do setor é a atual taxa de câmbio.

Os produtores de soja e milho iniciaram a preparação da safra 2004/2005 com uma taxa de câmbio próxima a R$ 3,10 por dólar. Além de colher menos, terão de vender a produção com um valor de R$ 2,50. Ou seja, o produtor custeou uma safra com dólar elevado e o resultado terá de ser negociado a um valor muito menor.

A situação deve sacudir a economia brasileira. Para Pessôa, haverá reflexos diretos na contribuição da agricultura para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). "Também deve ter efeitos negativos sobre os agregados econômicos, como a redução do emprego, efeitos negativos para o controle da inflação no futuro e redução da contribuição para a balança comercial", diz.

Para Pessôa, a renda menor dos agricultores pode também conter a demanda. As importações de produtos agrícolas, caso do milho - cuja produção não será suficiente para cobrir a demanda de 41 milhões de toneladas -, ampliam a competição interna e reduzem os níveis de preços suportáveis pelo conjunto dos produtores.

É exatamente o que ocorre com o arroz importado do Uruguai neste momento. "Estamos com oito barreiras no Rio Grande do Sul. O governo não toma providência, nós tomamos", diz Carlos Rivaci Sperotto, presidente da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul).

O agronegócio brasileiro, responsável por 33% do PIB (US$ 180,2 bilhões), 42% das exportações totais do País e 37% dos empregos - todos números de 2004 -, enfrenta um momento delicado. Há um buraco no celeiro do mundo e resta aguardar os desdobramentos disso.