Título: A vez do controle externo
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Fonte: O Estado de São Paulo, 09/05/2005, Editorial, p. A3

Com a escolha dos 15 nomes que integrarão o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a reforma do Judiciário finalmente começa a deslanchar. Aprovada em dezembro de 2004, depois de se arrastar por 13 longos anos no Congresso, ela introduziu importantes inovações naquele que é o mais ancilosado dos Poderes da República. Peça-chave dessa reforma, o Conselho recebeu a missão de articular o relacionamento de todos os setores e instâncias da Justiça brasileira, que hoje atuam de modo praticamente autônomo, monitorando seus investimentos, fiscalizando sua gestão financeira, avaliando seu desempenho administrativo, realizando o planejamento estratégico e estabelecendo novos critérios para a promoção de magistrados.

Uma de suas atribuições mais importantes é de caráter disciplinar. Caberá ao CNJ controlar a atuação funcional dos 11 mil juízes estaduais, dos 1,4 mil federais e dos 2,6 mil juízes do Trabalho. Embora não possa determinar que magistrados venais ou avessos ao trabalho sejam afastados da carreira, o Conselho recebeu a prerrogativa de aplicar algumas punições rigorosas, como, por exemplo, propor sua remoção da vara ou do cargo que ocupam.

Até a Emenda Constitucional n.º 45, que criou o CNJ, essa era a principal tarefa das corregedorias judiciais. No entanto, uma vez que muitos juízes-corregedores se deixaram levar pelo corporativismo, omitindo-se na fiscalização de irregularidades cometidas por seus pares ou contemporizando com atos desabonadores por eles praticados, a pretexto de preservar a imagem de seus respectivos tribunais, as corregedorias judiciais perderam credibilidade e se converteram em órgãos meramente burocráticos.

Foi para acabar com essa prática corporativista que, ao votar a reforma do Poder Judiciário, o Congresso aprovou o controle externo sobre a instituição, a ser exercido por profissionais estranhos aos quadros da magistratura. Dos 15 membros do Conselho, apenas 9 serão juízes. Na realidade, se as corregedorias judiciais não fossem ineficientes, escândalos como o desvio de recursos das obras do Fórum Ruy Barbosa, a manipulação de sentenças na Justiça Federal de São Paulo, a venda de sentenças a narcotraficantes por parte de um ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o nepotismo praticado em larga escala nas Justiças estaduais e trabalhista certamente não teriam ocorrido.

Foi por não ter tomado espontaneamente a iniciativa de se auto-reformar, depurando magistrados indignos da toga e deixando de fazer gastos perdulários com renovação de frotas de automóveis, mordomias e construção de sedes suntuosas, que os tribunais brasileiros acabaram, contra sua vontade, submetidos ao controle externo. E, conscientes da importância dessa medida para o fortalecimento das instituições judiciais, a Procuradoria-Geral da República e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) tiveram o cuidado de indicar como seus representantes, para o Conselho, profissionais competentes, distantes do jogo político e, principalmente, sem ligações corporativas com a magistratura. Mesmo os nomes escolhidos pelo Legislativo, independentemente da disputa partidária que levou à derrota do candidato do governo e à vitória do candidato da oposição, na Câmara, pertencem aos quadros de universidades conceituadas.

O sucesso do controle externo dependerá do modo como o Conselho for instalado, de como definirá seu regimento e começará a funcionar. Como têm dito o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, e os juízes dos tribunais superiores que mais se empenharam pela aprovação da reforma do Judiciário, como o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Nelson Jobim, esse é um desafio que, se não for enfrentado com sucesso logo de saída, jamais será vencido.

Diante das fortes resistências corporativas contrárias à modernização de nossa Justiça, o que foi evidenciado pela malograda tentativa da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) de argüir no Supremo a inconstitucionalidade da criação do Conselho, sob a alegação de que ele feriria o princípio da autonomia dos poderes, qualquer erro, atraso ou contemporização na sua instalação poderá matar no seu nascedouro uma experiência de fundamental importância para a plenitude do Estado de Direito, entre nós. A reforma do mais ancilosado dos Poderes da República começa agora ou não virá nunca.