Título: País rejeita plano antiálcool na OMS
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/05/2005, Vida&, p. A16

Apesar de estar estudando pôr em prática ainda neste ano políticas de combate ao consumo de bebidas alcoólicas no País, o governo ontem mostrou que seu comportamento nas negociações internacionais nem sempre prima pela coerência. Ao lado de vários outros governos, o Brasil rejeitou a simples idéia de incluir em uma resolução na Organização Mundial da Saúde (OMS) exemplos de políticas que os países podem adotar para coibir o consumo excessivo, entre elas o aumento dos impostos sobre o álcool. A resolução aprovada não contou com essas referências; apenas pediu que a OMS iniciasse estudos sobre os efeitos nocivos das bebidas. A reunião foi observada por um representante da AmBev, que deixou Genebra satisfeito com a resolução. A OMS agora passará três anos estudando o assunto. Apesar da frustração de algumas delegações, como a da Suécia, analistas acreditam que se trata do primeiro passo para a inclusão do tema do álcool na agenda da agência de saúde da ONU.

O movimento de trazer o tema para a OMS foi liderado pelos países nórdicos europeus, que pedem leis mais duras contra o consumo. Há poucos meses, a primeira proposta de resolução desses países pedia a adoção de uma série de medidas. Mas a idéia foi rejeitada. A segunda opção dos nórdicos foi pedir o início dos estudos e sugerir que exemplos de políticas que funcionam fossem citados em um documento que seria anexado à resolução. O Brasil argumentou que votou contra a proposta da inclusão dos exemplos porque o texto com as citações não era um documento oficial.

Para negociadores brasileiros em Genebra, a posição do País não pode ser mais dura porque o próprio governo não conseguiu chegar a um consenso sobre como lidará com o tema.

O Ministério da Saúde disse não haver nenhum descompasso entre a ação internacional e nacional do governo na área de política de combate ao abuso de bebidas alcoólicas. "Não há nenhuma posição contrária à sobretaxação de bebidas alcoólicas", afirmou o ministro da Saúde, Humberto Costa. O ministério está convencido de que o consumo excessivo de álcool terá de ser tratado de forma urgente e vai encaminhar ao presidente Lula um projeto de medidas, que inclui, por exemplo, a oferta de serviços de tratamento e trabalhos de prevenção voltados para crianças e jovens, segundo Costa. Mas nem todos no governo estariam de acordo com providências como aumentar impostos e limitar a publicidade.

A Assessoria de Imprensa da AmBev insistiu que a empresa estava na reunião apenas para "observar" o debate. Mas Brasília confirma que nas últimas semanas um lobby da indústria tem ocorrido. Não por acaso, a AmBev insiste que o texto aprovado ontem pela OMS não negativo.

A assessoria da AmBev não esconde, ainda, que é contra o aumento dos impostos, já que tal medida só funcionaria em uma situação onde não existisse um mercado informal. Segundo a AmBev, 15% do mercado de cerveja no Brasil é ocupado por produtos de empresas que não pagam de forma regular seus impostos.

TABACO

O caso do álcool não é o único em que o Brasil mostra suas incoerências. Há um ano, a OMS assinou o tratado para o controle do tabaco e a negociação do texto, que levou três anos, foi presidida pelo Brasil. Mas, desde sua aprovação, o governo não ratificou o texto e ainda está de fora do acordo. O governo corre o risco de ficar de fora da primeira reunião do tratado, em fevereiro. Segundo a assessora do programa da OMS contra o tabaco, Marta Seoane, o Brasil não terá direito sequer de se beneficiar de eventuais programas internacionais que ajudem os agricultores a substituir sua produção de fumo por outros cultivos.